5.1.06

Salvando vidas

Luis Miura ajudou a salvar milhares de vidas de pessoas que nem sabem de sua existência

Por GLÁUCIO ARY DILLON SOARES

Há pessoas que se dedicam a salvar vidas, mas que não são conhecidas do público. Luis Riogi Miura é uma delas. Miura, formado em Direito e Psicologia, ingressou por concurso na Polícia Civil do Distrito Federal. Foi um dos principais artífices do Paz no Trânsito, programa que começou como iniciativa da sociedade civil e foi apoiado pela administração de Cristovam Buarque, governador do Distrito Federal, então no PT. Participaram estudiosos da Universidade de Brasília, igrejas, escolas, empresas, com o firme apoio do GDF. O jornal de maior circulação da cidade, o Correio Braziliense, publicou uma série de matérias iniciadas em 18 de agosto de 1996, essenciais para mobilizar a população. Há amplo conhecimento na área que ensina que com recursos limitados e muita vontade política é possível salvar milhares de vidas anualmente no Brasil. De 1995 a 1998, o Paz no Trânsito reduziu as vítimas fatais de 11 para 5,5 por 10 mil veículos rodados, em Brasília. Em 1995, morreram 825 pessoas, contra 431 mortos em 1998, uma queda de 48% a despeito do aumento da frota. A velocidade média caiu de 90km/h para 55 km/h. Os hospitais estavam abarrotados em 1995, mas em um ano o número de pessoas pessoas feridas no trânsito foi reduzido à metade. Significou uma redução de gastos de 60 milhões de dólares e a liberação de leitos para atender outras pessoas. O programa foi tão bem sucedido que uma pesquisa de opinião revelou que era apoiado por 96% da população. A primeira pesquisa, no início do programa, dera 16% de aprovação.
Não obstante, Miura e os que lutam para reduzir as mortes tem sido combatidos por muitos, particularmente por políticos em busca de votos fáceis: em Brasília, houve mais de cem ações judiciais contra Miura. Quem comandou a frente anti-Miura foi Luiz Estevão, que posteriormente se distinguiu por ser o primeiro senador a ser cassado por falta de decôro. Em uma dessas ações, um ‘’juiz’’ deu ganho de causa a Luiz Estevão e os pardais foram desligados por duas semanas. As mortes aumentaram. Posteriormente, a decisão foi revertida. As mortes voltaram a baixar. A derrota de Cristovam Buarque significou a ascensão de Joaquim Roriz, que me parece mais preocupado com apagar a memória de Buarque do que fazer o melhor governo para a população do Distrito Federal. Roriz abandonou o Paz no Trânsito e a taxa de mortos por dez mil veículos não apenas parou de descer, mas voltou a crescer. Houve muitos protestos e algumas medidas foram mantidas. No fim do primeiro mandato, Joaquim Roriz exibia uma taxa mais alta, de 6,4, do que seu antecessor em seu último ano de mandato. O Distrito Federal andou para trás em alta velocidade. A equipe do Paz no Trânsito foi desfeita e o Forum Permanente pela Paz no Trânsito, que congregava especialistas, governo, mídia, empresários, outros representantes da sociedade civil e interessados acabou fechando as portas por falta de apoio do governo do Distrito Federal.
Miura transferiu a luta pela vida se transferiu para outros locais; como não liga para partidos, vai onde possa salvar vidas. Em 1999, esteve presente, juntamente com o então comandante do Batalhão de Trânsito, Coronel Renato Azevedo, que trouxe as faixas da cidadania para o Brasil, ao lançamento da campanha ‘’Faixa de Pedestre - A Vida Pede Passagem’’, convidado pelo governador Garibaldi Filho, do PMDB; Miura esteve em Boa Vista, convidado pela prefeita Teresa Jucá, que oscilava entre o PSDB e o PPS. Foi deixando a sua marca. Recentemente, Miura foi para Maringá, administrada pelo prefeito Silvio do PP. As mortes estavam crescendo rapidamente. As iniciativas não se fizeram esperar: a campanha ‘’Faixa: Tô parando nessa!’’, desenvolvida na Semana Nacional do Trânsito, reproduziu as taxas da cidadania que foram adotadas em várias cidades do Brasil com sucesso. As faixas tem a finalidade de fazer com que os motoristas reavaliem sua maneira de dirigir e prestem maior atenção à segurança e velocidade adequada no trânsito urbano. Os resultados não se fizeram esperar: de janeiro a novembro de 2005 foram registrados 54 óbitos; no mesmo período do ano anterior, em 2004, foram 77 mortes, uma redução de 30%. O crescimento das mortes nos últimos anos (52, 56, 61 e 85) fazia esperar um crescimento de, aproximadamente, dez mortes. Maringá enfrenta, em forma grave, um crescente problema de muitas cidades brasileiras: 31 dos 54 óbitos eram de motociclistas e seus passageiros. Novos problemas, novas soluções. Miura não é arrogante: busca todas as medidas que dão certo sem pretender ser o seu autor. Dada a escassez de recursos, instalou pardais falsos e verdadeiros, uma medida tentada com sucesso na Austrália.
O que me levou a escrever este artigo foi uma fotografia de Miura fiscalizando diretamente uma faixa da cidadania em Maringá. A foto revelava que Miura fazia quimioterapia. Posteriormente, descobri que enfrenta um linfoma. Porém, o câncer não alterou uma iota no compromisso de Miura com a sua missão de salvar vidas no trânsito. Continua dedicado a ela. Participou e iniciou programas que salvaram milhares de vidas de pessoas que nem sabem da sua existência. Nessa missão, a vida menos relevante para Miura é a dele próprio.

(*) Gláucio Ary Dillon Soares é sociólogo e pesquisador do Iuperj e do Datacrime

1 pitacos:

Anônimo,  11:06  

Excelente o artigo! Parabéns a Miura! Boa medida do Ângelo Rigon em publicar tal artigo em seu Blog. Resido no centro da cidade e sou testemunha do bom trabalho feito pelo Miura no trânsito em Maringá.

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