O consenso, o dissenso e a política
Artigo da professora Ana Lúcia Rodrigues, coordenadora do Observatório das Metrópoles, hoje em O Diário:
A política é dissenso, não há talento algum em cooptar o opositor, comprando seu apoio e transformando-o num subordinado. Há um senso comum que concebe alguns líderes públicos maringaenses como políticos de extrema competência, mas segundo nossos pressupostos, podemos dizer que isto é um equívoco, pois atuar politicamente sem considerar o conflito é mascarar a realidade, brincar de faz-de-conta e estabelecer bases de atuação que não se sustentam por muito tempo, pois acabam ficando muito onerosas para serem mantidas, em geral com cargos, concessões, contratos, títulos e honrarias etc.
Como assegura um sociólogo chamado Francisco de Oliveira, isso é, na verdade, a anulação da política. Ou seja, faz-se “consenso imposto” e se chama a isso política. Os consensos devem ser estabelecidos nos embates públicos, transparentes e nas arenas democráticas.
Se existe um elemento positivo na política é o fato de as pessoas poderem expressar opiniões visceralmente contrárias à maioria e nem por isso serem punidas por suas opiniões.
A troca de idéias, o debate acalorado, só contribui para o amadurecimento das instituições democráticas. O contrário é ditadura.
Na atual sociedade democrática, legitimada pela “Constituição cidadã”, a esfera pública pós-1988 caracteriza-se por uma necessária participação da sociedade civil nos processos e instâncias de gestão que devem ser paulatinamente ampliadas e estendidas até alcançar todos os segmentos sociais e não apenas os historicamente organizados que já têm assento em todas as mesas de decisão, desde sempre no Brasil.
Podemos dizer então que, ao contrário do que se admite comumente em todas as mesas de prosas sobre política, a atuação de alguns de nossos principais representantes demonstra incapacidade e incompetência para o exercício da verdadeira política.
Muitos cidadãos da sociedade maringaense e regional estão ávidos por se tornarem atores principais nessa arena pública onde hoje se vê apenas astros reluzentes e coadjuvantes medíocres que não têm fala, a não ser que a fala seja para compor o consenso.
Fico imaginando o que os descendentes de muitos homens públicos de hoje pensarão destes daqui a algumas décadas, pois a trajetória que estão registrando nos anais da história é constrangedora.
Muitos serão renegados pelos seus descendentes, mesmo aqueles cuja herança venha a ser muito volumosa. Nem precisamos ir além, no tempo e no espaço, para materializar o que isso significa.
Há certo sobrenome nesta cidade, de certo ex-prefeito, que ninguém se orgulha em dizer que possui, aliás, a maioria dos membros de tal família se mudou para outros Estados e os que, por ventura aqui permanecem, não desfilam frequentemente nas colunas sociais dos jornais locais.
Queremos atuar ao lado de líderes políticos que saibam governar sem abstrair e desconsiderar as diferenças e os conflitos por uma razão muito simples: eles existem nesta sociedade marcada por desigualdades e desconsiderá-los significa ajudar a reproduzir a desigualdade que gera problemas sociais que nem a mais articulada capacidade de cooptação será capaz de resolver.
8 pitacos:
Parabéns professora, este artigo eu gostaria de ter escrito. Concordo em gênero, número e grau. Perfeito.
Maria diz:
Belissimo ensaio. Me faz lembrar a fala de um filme onde um político após ganhar as eleições fez questão de manter em sua equipe um forte adversário e veemente contestador de suas idéias.
Numa reunião em que o debate entre eles novamente ocorria o segundo contestou: "Estou curioso, por que mesmo sabendo que sou contestador de suas idéias você me convidou para compôr sua equipe?" Ao que o outro respondeu: "Só os medíocres se contentam com o eco da própria voz".
Infelizmente a mediocridade é uma das marcas deletérias da política...
Parabéns pelo texto. Maria Newnum
Concordo que idealmente a política deveria ser tratada no nível defendido pela professora, mas na atual estágio da(i)maturidade do sistema político nacional, onde predomina os partidos e políticos fisiológicos, é impossível ao titular do poder executivo _ os honestos é claro _ não estabelecer coalizões em troca de vantagens em nome da governabilidade.
O governo Lula estabeleceu alianças com partidos, sem nenhuma afinidade programática e idealista com o PT , aliás partidos que só tem programas e idealismo no papel e na retórica, e o que querem mesmo é o poder e os benefícios dele oriundo, como PP( dos irmãos Barros, Bellinati e Maluf), PTB ( de Roberto Jeferson) e o PMDB ( de Sarney e Jader Barbalho). Por que? Em nome da maioria no congresso e da governabilidade _ FHC em menor grau assim também procedeu.
Infelizmente é a dura realidade da política de nosso país!
Parabéns Professora e também ao Diário, pela abertura de espaço para publicação de comentário desta qualidade. Esperamos isto se torne mais frequente.
Celso Romano
Caros interlocutores, apesar de saber da distância entre o ideal e o real quando pensamos no fazer política, não podemos perder de vista os princípios que a humanidade já estabeleceu para serem alcançados: a política como arena dos interesses públicos. Estou muito preocupada com a exacerbação da valorização do privado aqui nestas longínquas terras caipiras, pois isso levou a administração atual a privatizar mais de 50 áreas públicas em nossa cidade, num evidente desrespeito aos milhares de cidadãos que freqüentariam aqueles espaços públicos na busca de atendimento às suas necessidades básicas de saúde, educação, assistência social, lazer, prática esportiva etc. A atual gestão deve, ao menos, dividir a atuação entre interesses públicos e privados, obedecendo ao que reza a atual Constituição no estabelecimento de uma governança democrática, com uma rede de participação que inclua as vozes dissidentes, o que significa, por exemplo, solicitar aos presidentes dos Conselhos que tratem com respeito também os membros que não lhes dizem AMÉM. Que significa em última instância promover o exercício da tolerância para com aquele que não sou EU. Ana Lúcia Rodrigues.
“Nenhuma sociedade pode economizar (o valor político), pois é pela política que ela afirma uma vontade própria. A ausência do conceito político coletivo conduz ao sofrimento: é pela política que se pode, ao contrário, dominar o curso da história e lhe dar sentido. A política é a mais elevada atividade de uma sociedade, sua atividade suprema.”
René Remond.
Usou bem a Hanna Arendt e o Habermas. Parabens!
Valeu Ana Lúcia,
Como doutora comprometida com a causa pública, voce tem e usa sua autoridade para alertar nossa sociedade e convidá-la a sair da caverna.
O consenso sem debate é a corrupção do sistema democrático, a ilusão e o aprisionamento de pseudo-cidadãos....
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Vê lá o que vai escrever! Evite agressão e preconceito. Eu não vou mais colocar xizinho; na dúvida, não libero o comentário.