Propaganda enganosa
Por DOMINGOS PELLEGRINI:
O que mais marcou estas eleições foi a propaganda oficial dizendo que somos patrões dos poderes públicos. Engraçado que a palavra patrão vem do Latim “pater”, pai, que também é origem das palavras pátria e patrimônio. Para cuidar da pátria e do patrimônio público elegemos legisladores e governantes -- mas que patrões somos nós se não podemos demitir?
Também não escolhemos os salários deles, eles é que escolhem, aumentando quando bem querem, ao contrário do que acontece no mercado de trabalho. E têm mais férias que os trabalhadores da sociedade, e recebem o salário inteirinho mesmo se faltam seguidamente ao trabalho, ao contrário da gente.
Então que patrões somos nós?
Quando a gente contrata um serviço, para garantir que será concluído nós acabamos de pagar só com o serviço entregue. Mas políticos podem largar seus mandatos pela metade, para se candidatar a outro mandato. É como se, numa empresa, a gente pudesse se auto-promover a cargo mais alto, independente do que pensem os patrões...
Pois então que patrões somos nós?
Até pouco, os deputados podiam votar secretamente, ou seja, nós não tínhamos nem ao menos o direito de saber como votavam nossos “empregados”.
Podendo mudar de um partido para outro, os políticos são como empregados que pudessem apresentar um currículo e depois, a bel prazer, trocar por outro.
Daí que patrões somos nós?
Se um empregado começa a acumular trabalho, deixando de fazer ontem o que deveria ter feito há tempo, a gente demite, não? Não é o que acontece com nossos “empregados” deputados, que deixam mofar no Congresso projetos de interesse público como uma efetiva reforma tributária e a eternamente adiada reforma política, além da reforma da Previdência, cujo rombo (causado pelas aposentadorias do setor público) não deixa o país deslanchar. Os resultados são desastrosos para a gente: vivemos mal, porque nossos “empregados” não encaram e resolvem os problemas do seu trabalho.
Mas nós continuamos a votar esperando melhoras, embora, se os poderes públicos fossem empresas, já estariam falidos há muito tempo. Continuam porque são custeados por impostos retirados de forma embutida em tudo que compramos ou pagamos, sem que tenhamos o direito de ver os balanços ou alterar os gastos. É um sistema que atrai os honestos e afasta os desonestos, mas somos convocados a votar como se isso pudesse alterar o sistema.
Um deputado inglês ganha menos que um deputado brasileiro, e, se quiser faltar a uma sessão, tem de pedir licença ao líder do partido, que só permitirá se um deputado do partido rival também for faltar no mesmo dia. Aqui, a maioria dos deputados falta na segunda e na sexta-feira em Brasília, na prática reduzindo a semana de trabalho a três dias. Na Alemanha, a folga semanal começa na sexta-feira, mas para toda a população...
Um deputado do Primeiro Mundo tem direito a alguns poucos assessores. Os nossos têm direito a muitos assessores, verbas para moradia, gasolina, refeições, correio, telefone, tantas despesas que um vereador alemão, quando esteve em Londrina-PR há décadas se espantou para o repórter que eu era então. Disse que só recebem verba de gasolina os vereadores alemães que moram na zona rural, e apenas o estritamente necessário para os deslocamentos. Aqui, deputados em licença médica continuam a “gastar” rios de gasolina pagas com dinheiro dos “patrões”.
O Poder Judiciário aumentou os salários de seu pessoal mais de 100% nos últimos anos, e o Legislativo quase o mesmo tanto, enquanto o resto do funcionalismo ficou sem aumento. Mas o Judiciário em nome da autonomia que, na prática, é impunidade para ineficiência e nepotismo notório.
Mas o pior é que se os “patrões” quiserem reclamar seus direitos, terão de acionar. . . o Poder Judiciário, o mesmo que, ao garantir que somos “patrões”, endossa esse sistema como se, para funcionar bem, só dependesse do endosso do nosso voto. Se não é uma propaganda enganosa, é uma propaganda enganada, não?
Reforma política já? Não: reforma política ontem!
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(*) Artigo de Pellegrini, que cunhou a expressão "pé vermelho". Não tenho certeza absoluta da autoria, pois recebi como se tivesse sido publicado na Gazeta do Povo de hoje - procurei e não vi nada. De todo modo, Pellegrini tem um site onde há um artigo, com o mesmo título, escrito em agosto.
1 pitacos:
Faltou dizer também que somos OBRIGADOS, de tempos em tempos, de confirmar ou mudar nossos empregados de listas pré-estabelecidas de seus "sindicatos" (os partidos) digamos assim, e que eles, depois de escolhidos, escolhem a quem vão representar pelo período que estão em nossa empresa e geralmente escolhem representar quem pode nos fazer mal.
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Vê lá o que vai escrever! Evite agressão e preconceito. Eu não vou mais colocar xizinho; na dúvida, não libero o comentário.