30.5.06

O poder que emana do povo

Por VALTER BAPTISTONI

O Brasil viveu num período bastante recente de nossa história um momento tenebroso; o golpe de estado de 1964 (até hoje alguns insistem em chamar de revolução de 64). Os fatos que se seguiram durante o regime militar deixaram seqüelas na sociedade, ainda hoje temos pessoas que elogiam o governo militar e o aceitariam de volta quando saudosamente lembram os anos do milagre econômico, a ordem e o progresso. Porém, talvez por desconhecimento de causa ou por não ter vivido na pele o que isto representou pensam assim , vamos então comentar alguns fatos.
Castello Branco, o General Presidente assume o poder em 15/04/64 e declara publicamente defender a democracia, mas a história mostra o contrário. Durante o regime militar vimos perseguição aos políticos, censura à imprensa, perseguição aos sindicatos, censura às obras artísticas, exílio de intelectuais e oposicionistas do regime O último Presidente militar foi o General Figueiredo que governou até 1985. Grandes nomes de nossa história recente se destacaram na luta contra o militarismo: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Miguel
Arraes, José Dirceu, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio da Silva dentre tantos outros. Muitos foram torturados, exterminados, assassinados... Pelo menos neste período seguramente podemos dizer que foi o fim da democracia no Brasil.
Entidades de classes, partidos políticos e a população de uma forma geral buscaram a re-democratização da nação, as pressões sociais enfraqueceram o regime militar e campanhas públicas das Diretas Já trazem de volta a democracia brasileira que foi lentamente se reestruturando, esta reconstrução nos traz hoje o direito de votarmos em um candidato que acreditamos nos representar independente do seu partido político, ideologia ou história política. Podemos criticar um político sem o medo de sermos cassados, presos ou até assassinados. Democracia é um jeito de se viver em sociedade que remontam desde os tempos da Grécia antiga e assumida em muitos paises, solução encontrada para que o homem possa buscar viver em paz com seu maior rival: o próprio homem, onde se aplica a lei máxima do livre arbítrio e na prática que ¨ todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido¨, conforme a carta maior, a nossa Constituição, e pelas palavras do saudoso Ulisses Guimarães quando na TV proclama a nova lei reformada.
Maringá, por ser uma cidade que na época estava ainda começando o seu crescimento e, portanto uma população pouco expressiva (tinha só 20 e poucos anos), felizmente por isso não chegou a viver as agruras das perseguições políticas dos anos 70 como aconteceu nos grandes centros.
A sociedade brasileira nunca mais deveria permitir que o poder fosse gerenciado por autoritarismos, mas é de se estranhar a forma passiva com que nós como povo permitimos alguns abusos, talvez isto seja um legado do militarismo, resquícios de um sistema cruel para com a liberdade do cidadão e sua expressão e que deixou cicatrizes sociais terríveis em nosso povo. As formas de expressão de uma sociedade livre são com musicas, textos, artigos, teatro, palestras, manifestações públicas e ordeiras (sem a necessidade de atos de vandalismos, as ações de vandalismos contribuem negativamente para com a democracia ).
Um exemplo recente desta situação é quando as eleições para diretoras (es) das Escolas Pública Municipal e Centros Infantis (as antigas creches) simplesmente é tirada da forma livre de se votar, ou seja; cria-se uma ¨lista tríplice¨ onde dos três candidatos a diretores mais votados o administrador escolhe um dos nomes e o nomeia. É de se estranhar que a população que vota; pais, professores, alunos... Escolhem seu candidato, que segundo a democrática eleição seria o que mais os representaria e no funil da escolha passe o candidato que não foi o eleito, apenas em três destas escolas/centros foram os que ficaram em primeiro lugar os nomeados. Esta situação de eleições livres nas escolas de Maringá é resultado de uma ferrenha luta dos educadores e sociedade contra o autoritarismo militar, foi em 1984 que se instalou a livre eleição nas escolas e num momento histórico importante: o militarismo ainda mandava no país, agonizava em seu ultimo suspiro e uma conquista popular democrática marcava o início de um novo tempo de esperança nas escolas onde quem as administrava agora era um Diretor ou Diretora escolhido pela população, ligado democrática e politicamente a ela.
O antigo SNI era um órgão do governo militar que tinha como uma de suas funções espionar os atos e ações das pessoas, sobretudo aquelas que eram líderes em seu meio social, quer sejam estudantes, políticos, mestres etc. desta forma, baseado nas ações ou expressões destes cidadãos brasileiros eles eram perseguidos coercitivamente com ameaças pois representavam um risco ao regime, podiam contaminar a sociedade com aqueles discursos de liberdade, direitos etc.
Dizer que a história é cíclica é muito pejorativo, mas acontece exatamente isto neste momento: as manifestações públicas, reuniões de entidades de classe estão sendo filmadas, guardadas em arquivos de mídia para que aqueles que sabem dos seus direitos de liberdade num país igualmente livre possam estar sendo perseguidos, intimidados. Inclusive com uso de aparato policial, coisa que por aqui só foi vista durante o regime militar, por exemplo, nos anos 80 quando os bancários deflagraram uma greve nacional podia ser visto dezenas de soldados com escudos, capacetes e cacetetes na frente das agências bancárias.
É triste saber que para as próximas gerações as marcas de um governo possam ser tão negativas e lembradas como exemplo do que não se pode fazer com o povo a que se propõe cuidar.
O movimento sindical brasileiro tem em seu passado uma história de lutas e conquistas, ele representa determinada categoria profissional e deve ser o canal de comunicação entre empregador e empregado. Deliberadamente são tomados de volta funcionários antes liberados, dentro das normas legais, para representarem à categoria funcional. Novamente temos um paradoxo para quem propôs governar democraticamente.
Há que pressupor que o momento nos leva a refletir sobre um retrocesso político em que a representação fica exclusiva a interesses pessoais, fugindo do princípio básico de direitos iguais a todos como repito as palavras lidas em 1988 na TV para que toda a nação através da mídia ouvisse e entendesse ¨Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido¨. Tentar construir currais eleitorais é retroceder aos princípios do coronelismo brasileiro, e fazer do povo emburrecido, massa de manobra, coisa da qual confiamos que não possa acontecer mais em um país livre, onde pessoas podem falar bem ou mal de seus líderes, mas que vem com um propósito fundamental: o crescimento, amadurecimento político tanto de líderes como de liderados, assim todos ganhamos... Evoluímos... Crescemos.

(*) Valter Baptistoni - Historiador

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