Lembranças de um puteiro
Por MARIA NEWNUM
Quando menina moramos por algum tempo quase ao lado de um puteiro. Você sabe o que é um puteiro não? Isso mesmo, é para lá que iam os putos ao encontro das mulheres que ficavam com má fama por cobrar para fazer aquilo que as esposas tinham que fazer de graça.
Esse meu lugar de infância era basicamente um vilarejo. Com exceção daquelas mulheres que não saiam nem na calçada para não afrontar a vizinhança, eram todos considerados pessoas de bem. Inclusive a dona do puteiro e seu marido eram respeitados, por manterem a discrição do negócio ladeado por casas de família e defronte ao único colégio onde eu e todas as crianças estudávamos.
Além das missas que só aconteciam aos domingos de manhã e às seis da tarde, o puteiro era responsável pela a única agitação social do lugarejo. Findada a missa das seis, todos da nossa rua voltavam passando em frente ao puteiro, onde a festa estava no auge. As mães iam arrastando a criançada pelas mãos tentando desviar os olhinhos curiosos da direção do estabelecimento.
Eu e minhas três irmãs vivíamos pedindo para a nossa mãe nos levar lá. Não entendíamos as proibições e os segredos que cercavam aquele lugar. Nossa mãe falava que era lugar só para homens. Não adiantava, insistíamos para entrar nem que fosse um pouquinho.
Não era possível, contudo, nos proibir de ouvir as músicas sertanejas que rolavam soltas até altas horas. Ainda as tenho na lembrança. Na maioria, música de corno.
Ouvi uma esses dias e logo vieram as lembranças do puteiro. A música dizia: “Eu quero que tire o meu nome da sua agenda, esqueça o meu telefone, não me ligues mais. Eu já estou farto de ser o remédio para curar o seu tédio quando você não se sentia feliz...” E por aí vai...
Evidente, mais uma música de corno, mas com ricas lições para vida.
Pense bem, especialmente nesse dias que antecedem um ano novo, não seria bom que algumas pessoas riscassem o seu nome da agenda? Que te esquecessem, concedendo o prazer de não ter que ouví-las, suportá-las, agüentá-las por mais um ano?
Você acha que seria ótimo, mas isso não irá acontecer? Ora, tome a iniciativa risque-as, não as coloque na sua nova agenda, faça um favor a si mesmo. Comece por mim, se não me tolera. Não culpo ninguém por isso, posso ser intragável, especialmente quando me esforço.
De minha parte aviso: Farei uma limpa na minha agenda. Se alguém perceber que não recebe um telefone, um e-mail... Bingo! Foi cortado... Sei que ninguém vai morrer por isso. Pretendo começar o novo ano me poupando, tirando da minha agenda pessoas que não respeito, que não tolero, que não me acrescentam.
Você pode, e acho que deve fazer o mesmo. Não há pessoas que só de ver o nome lhe causam repulsa? Pois é, isso não te faz bem nenhum. A mim também não. Comece pela letra A e vá até o Z, sem medo de ser feliz. Você irá descobrir que essa solução simples é muito terapêutica.
Bem, no final aquele “santo” puteiro me ensinou coisas que nem a minha escola e nem a missa ousaram me ensinar. Hoje já crescidinha percebo que a putaria mudou de foco, antes restrito as questões de ordem sexuais. Hoje a putaria está entre pessoas e instituições acima de qualquer suspeita.
Mas de qualquer forma, prepara-se para um bom começo de ano.
(*) Maria Newnum é teóloga e participa do MEP - Movimento pela Ética na Política
1 pitacos:
Abordagem muito interessante sobre o tema "putaria".
Principalmente nas entrelinhas!
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Vê lá o que vai escrever! Evite agressão e preconceito. Eu não vou mais colocar xizinho; na dúvida, não libero o comentário.