27.2.07

O crepúsculo das universidades públicas estaduais do Paraná

Por MARCOS CESAR DANHONI NEVES

“Perdoe seus inimigos, mas não esqueça seus nomes”
John F. Kennedy

Durante os últimos 16 anos (e agora mais outros quatro...) o Paraná foi governado por dois homens públicos de projeção nacional: Roberto Requião e Jaime Lerner. Figuras políticas divergentes, ambos partilham, porém, uma característica comum: o descaso pelas Instituições Públicas de Ensino Superior do Estado e pelo seu imenso patrimônio humano, de ensino, de ciência, de tecnologia e de cultura. Lerner, em oito anos de governo, concedeu um reajuste pífio à categoria docente e funcional das Universidades, permitindo que uma greve generalizada nas Instituições se prolongasse por infindáveis seis meses! Requião, apostando na desintegração da carreira docente, concedeu ajustes diferenciados à categoria docente e aprovou um plano de carreiras para os servidores técnicos e administrativos (PCCS) que estabeleceu uma das mais gritantes “disfuncionalidades” que temos notícia: um funcionário concursado como técnico de nível superior (somente com a graduação) ganha hoje um salário duas vezes superior àquele concedido ao professor auxiliar (piso para toda a carreira docente universitária); um outro, com especialização e com poucos anos “de casa” pode ter seu salário igualado a de um professor assistente (com Mestrado); um outro, com dez anos de Instituição e duas especializações poderá ganhar o equivalente a um professor adjunto (com Doutorado).
Sempre lutamos pela recuperação das perdas salariais e, em última instância, pela valorização do ensino e da pesquisa nas Instituições Públicas de Ensino Superior (IES) do Paraná. O PCCS veio nessa direção, porém, desacompanhado de uma recuperação da massa salarial docente, as IES públicas transformaram-se em centros meramente de formação técnica, desestimulando a pesquisa, a produção científica de qualidade, a formação de quadros pós-graduados. A tremenda “disfuncionalidade” acabou por piorar um quadro que já vinha se deteriorando desde a desastrada administração Lerner.
Essa “disfuncionalidade” tem, pois, gerado custos excessivamente elevados para as Instituições e para o povo paranaense que, em última instância, as mantêm com o labor de cada centavo investido de seus impostos pagos. Poderíamos elencar aqui algumas das conseqüências, imediatas ou não, dessa política deliberada de destruição das IES públicas do Estado do Paraná:

i) a evasão docente qualificada atingiu, nos últimos quatro anos, a Impressionante cifra de 15% do quadro de mestres e doutores;
ii) Programas de Mestrado e Doutorado das Universidades Públicas do Paraná, em conseqüência, têm sofrido para manter ou alavancar suas avaliações diante da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior-MEC);
iii) queda iminente da produção científica, tecnológica e cultural;
iv) o bizarro quadro de professores auxiliares que estão deixando suas funções docentes para prestarem concursos para cargos de técnicos de nível superior, uma vez que o salário pago é o dobro daquela categoria;
v) a migração para Universidades Federais e Estaduais Paulistas, que pagam salários melhores;
vi) a destruição, a longo prazo, do investimento aplicado na formação de pesquisadores. Um Mestre hoje forma-se em dois anos, e um Doutor, em quatro. Se imaginarmos um “calendário do atraso” que pudesse marcar os anos jogados fora para cada evasão qualificada, teríamos, no caso da Universidade Estadual de Maringá, com 172 docentes que deixaram seus empregos nos últimos quatro anos, um atraso que superaria 600 anos! Esse desestímulo será uma herança trágica de dois governos paranaenses, nos colocando, até o momento, na Idade Média da Academia e da (má) política;
vii) A Fundação de Fomento a Pesquisa do Estado (Fundação Araucária) dispõe de recursos irrisórios pela quantidade e qualidade de pesquisa realizada pelas IES Estaduais. Para se ter uma pálida idéia, a Fundação, até o momento, não tem um programa de concessão permanente de bolsas para a formação de mestres e doutores e seu orçamento é inferior ao menor dos programas do MEC-SESu.

Além de todo esse quadro desalentador (e devastador!), existe uma outra ação desse governo que tem servido para catalisar o processo de evasão: a quase proibição de pesquisadores deixarem o país para apresentar trabalhos em conferências/simpósios/congressos internacionais, completar a formação (Doutorado ou Pós-Doutorado no exterior) e/ou interagir com outros grupos de pesquisa. Através de um mecanismo que beira ao fascismo, o Decreto 5098, de 19/07/2005 (“dispondo sobre pedidos de afastamento ao exterior, dos servidores das instituições estaduais de ensino”), o governador do Paraná estipula os seguintes critérios para afastamento ao exterior:
- uma única saída por ano;
- dois ou mais docentes, em trabalhos de co-autoria ou mesmo com trabalhos diferentes, não podem ter atendidos seus pedidos para o mesmo evento: somente um poderá ser autorizado a sair;
- os pedidos de saída devem vir acompanhados das seguintes exigências: i) aceite da Instituição receptora traduzido pelo docente; ii) documento que comprove o financiamento da viagem (se do exterior, com tradução); iii) o trabalho a ser apresentado se, em língua estrangeira, deve ser também traduzido.
Todas as exigências demonstram características peculiares desse governo:
- a mais básica: a extrema incompetência da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Paraná, incapaz de ler e compreender diferentes línguas (e aqui estou limitando-me à língua inglesa e espanhola);
- a necessidade de traduzir documentos que já estão aprovados, seja na Instituição receptora, seja nas Agências de Fomento;
- a necessidade do pesquisador-docente passar pelo constrangimento de re-submeter um trabalho ao Estado que já foi aprovado seja pela Instituição receptora, seja pela Agência de Fomento.
Ano passado, durante uma conferência internacional que participei em Amsterdam (Holanda), discuti com vários colegas da Itália, França e Alemanha a situação que vige hoje no Paraná sobre a questão de afastamento para o exterior, quando eu próprio fui vítima de uma negativa do governo, mesmo tendo recebido apoio do CNPq. Eles sorriram desconcertados e, jocosamente, disseram que isso seria aceitável se eu fosse um cidadão da Coréia do Norte, da China ou do Afeganistão...
É esse o estado de “Direito” que vivemos em nossas Academias públicas de Ensino Superior do Paraná. Enquanto isso o fluxo da evasão docente qualificada continua se intensificando dia-a-dia. No relógio do atraso, somando todos os anos de qualificação perdidos com a evasão, não é de se espantar que o atual governo do Estado nos mergulhe na Idade da Pedra. Falta pouco... O estrago está feito... mas ainda é possível um ponto de inflexão. A pergunta que resta é: será realmente possível?!?

Marcos Cesar Danhoni Neves é secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC-PR

1 pitacos:

Anônimo,  14:51  

Marquinhos
Que bela reflexão. Talvez a comunidade nos perceba. Alem do que voce escreve é preciso denunciar o atraso tecnológico do PR. A captaçãp de recursos de agências Federais de C &T é menor do que vários estados do Nordeste. É o pior do Sul do país. Se continuar o Governador e as Reitorias a não nos perceber, as IEES virarão escoletas. Acho até que algumas foram criadas com essa inclinação. Os cursos de PG sem financiamento irão amargar o limbo de uma nota da CAPES de 4, 3 , sem comentário.
Paulo

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