Política é coisa do Diabo?
Por MARIA NEWNUM:
Seria bom iniciar o Novo Ano zerando as coisas ruins dos anteriores. Mas ao findar dos fogos e do último gole de champagne recobra-se o senso da realidade.
O mundo real depende da política. Um dos problemas antigos que merece esforço para superação, a cada início de ano, é o distanciamento entre religião e política. Poderia haver tema mais desanimador e pesado para se iniciar um Novo Ano? Se fosse um desses políticos que apenas desejam se dar bem, continuaria fomentando essa teoria.
No Brasil essa falácia tem efeito tremendo. Enquanto alguns líderes religiosos pregam que política não é coisa de Deus, o povo paga indulgências em forma de impostos, dos quais em sua maioria, servem para sustentar o luxo, os salários polpudos e aposentadorias milionárias dos políticos do país. Quer coisa melhor? Ou pior?
O povo simples e os religiosos mais preguiçosos se recusam a tentar entender a distinção entre política partidária e a política; aquela que zela pelo bem da polis, o bem comum.
Houve tempo que Igreja Católica Romana controlava o Estado, ou seja, o sistema político era ditado pela Igreja. Cuidado! É preciso estudar a história para saber que naquela época certos religiosos tomavam o santo nome da Igreja para defender interesses estritamente pessoais. A Igreja Romana foi constituída sobre alicerces tão sagrados como os foram os das demais religiões. Nenhuma religião teve ou tem por defesa suprema o derrame de sangue e a subjugação do outro, isso foi e é fruto do egoísmo humano.
De qualquer modo, a separação entre Igreja Romana e o Estado trouxe muitas vantagens; a pior desvantagem foi, contudo, ajudar a deixar o mundo político distante da religião, o que sem dúvida só favoreceu e ainda favorece aos oportunistas. É preciso distinguir a política religiosa, registrada na história e o quanto ela favoreceu aos interesses individuais da Igreja, ou seja, de seus representantes que se banhavam em ouro enquanto o povo comia os restos. O filme o Nome da Rosa de Umberto Eco, ajuda entender esse contexto. É belíssimo, veja.
Os cristãos, especialmente, deveriam conhecer mais sobre “o Jesus político”, aquele que contestou, denunciou e acabou sendo morto pelos políticos de seu tempo. Quem não vê isso na Bíblia, precisa estudá-la melhor. Ao dizer que religião e política devem seguir caminhos opostos, renega-se o sentido da missão de Jesus, que foi essencialmente política; no bom sentido do termo.
Nada mais confortável para os políticos desses dias que saber que os religiosos não se intrometem em política. Rezam para que o povo permaneça acreditando que política é coisa do diabo.
É inteligente animar religiosos que pregam nos púlpitos uma sociedade justa; não num paraíso distante, mas aqui e agora. Essa é era a essência do ministério político de Jesus, por isso dizia: "Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância", o que significava saúde, educação, moradia, comida e trabalho digno. Como conseguir isso? Tanto nos tempos de Jesus como hoje, só através de políticas públicas voltadas para todos. Em outras palavras, seu ministério tinha por base a distribuição de renda, ao invés da concentração de riquezas por uma parcela privilegiada da sociedade. Por isso acompanhava de perto os políticos de seus dias.
Os religiosos de hoje que batem no peito, dizendo que política é demoníaca e suja, estão, mesmo que por ingenuidade bondosa, servindo a outro “deus” e aos políticos inescrupulosos do país. Fugir deles, como o diabo foge da cruz, é a saída mais sensata. Temei-os como quem teme ao próprio maligno.
A cada início de ano ressurge o desafio para que as religiões voltem-se à seus líderes supremos, tentando compreender o que tinham em vista para o viver diário da fé, além das rezas e doutrinas de ordem sexual-moral. Isso não enche a barriga dos pobres. E são as mulheres religiososas pobres que ainda pagam a conta mais alta.
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Maria Newnum é pedagoga, mestre em teologia prática, vice-presidente do Movimento Ecumênico de Maringá e coordenadora da Spiritual Care Consultoria. Para comentar ou ler outros artigos acesse aqui e aqui.
1 pitacos:
Spiritual Care ou Colonial Care? Nao tinha um nome menos ianque pra consultoria? Errrr
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Vê lá o que vai escrever! Evite agressão e preconceito. Eu não vou mais colocar xizinho; na dúvida, não libero o comentário.