Carta ao Menino Jesus - Natal 2006

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"É doloroso celebrarmos, em maio próximo, o sexagésimo aniversário de Maringá com a pior câmara de vereadores de toda a nossa história"
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Por PADRE ORIVALDO ROBLES:

Querido Menino Jesus.
As crianças escrevem cartinhas ao Papai Noel. Como não sou criança, achei melhor escrever para ti.
Não venho fazer nenhum pedido. Apenas comentar contigo algumas coisas que andam acontecendo em nosso meio.
Quando nasceste não havia lugar para teus pais na cidade de Davi, o grande rei de outrora. O evangelista Lucas conta que José era da família e da descendência de Davi, mas nasceu pobre. Como ele estava casado com Maria, tua Mãe, nasceste pobre tu também. Azar teu; pobre não tinha lugar na sociedade do teu tempo.
Hoje, mais de dois mil anos passados, continua acontecendo a mesma coisa.
Já te contaram o que alguns deputados federais e senadores nossos fizeram nestes dias? Há anos muitas matérias importantes para o povo dormem nas gavetas do Congresso “ acho que eles não têm tempo para discuti-las. Agora, perto do Natal, acharam tempo para, bem rapidinho, aprovar um aumento de 91% do seu salário nominal. Para o trabalhador comum o salário é de 350,00 que, em abril, passará a 380,00. Como para eles devem ser poucos os 12.847,00 que recebem, aumentaram para 24.500,00. Está certo que não conseguiram. Mas em fevereiro voltarão de novo à carga. Algum bom aumento eles vão se dar, isso vão.
Mas salário é só parte do seu ganho, conforme dados do Datafolha. Como são eles que fazem as leis, foram criando, ao longo do tempo, leis que engordaram seus rendimentos de uma forma espantosa.
São os únicos empregados no Brasil que só trabalham 3ª, 4ª e 5ª feira. Segunda e sexta viajam de avião. Com passagens que nós pagamos, claro, porque o bolso deles só tem boca de entrada, não de saída.
São também os únicos que recebem 15 salários por ano. Inventaram “ com outro nome, claro “ um de encerramento e outro de início de ano legislativo. Se houver sessões extraordinárias em período de recesso, também recebem salário extra.
Têm ainda uma chamada verba de gabinete (50.815,00 para deputados – 87.000,00 para senadores), outra, a verba indenizatória (15.758,00), recebem auxílio moradia, passagens aéreas, telefone, material gráfico e outras coisas que a gente nem fica sabendo. Resultado: quando recebe só o que é divulgado (e considerado legal), um deputado federal custa ao país a média de 103.600,00 reais por mês; um senador, a média de 145.000,00. Como são 513 deputados federais e 81 senadores recebendo 15 salários por ano, é só fazer as contas de quanto nós todos pagamos para essa gente.
O pior, Menino Jesus, é que o esquema se espalha pelo país inteiro. Claro, o exemplo (péssimo, no caso) vem de cima. Começa no nível municipal. Alguém faz tudo para se eleger vereador. Depois, deputado estadual. Depois, federal e senador. E faz tudo para ficar lá para sempre.
No ano em que a Igreja de Maringá está completando seu jubileu de ouro, passamos pela vergonha de ver eleito, mais uma vez em nossa cidade, um presidente da Câmara Municipal sobre quem pesam graves acusações nunca esclarecidas. A maioria dos seus colegas achou a coisa mais normal do mundo reconduzi-lo ao cargo. Os que nele votaram certamente são iguais a ele. É doloroso celebrarmos, em maio próximo, o sexagésimo aniversário de Maringá com a pior câmara de vereadores de toda a nossa história.
Vivemos numa cidade, Menino Jesus, erguida por gente honesta, que trabalhou duro para derrubar mato, plantar café e construir uma comunidade de gente solidária e fraterna. Quando começou a diocese de Maringá, nossa cidade contava dez anos. Havia muita união, muita confiança entre as pessoas, espírito de colaboração e muita alegria. A vida era dura, mas todos se davam as mãos. Ninguém pensava em destruir o outro nem se aproveitar dele. Ninguém queria aparecer nem se considerava mais importante que os outros. Todos sentiam o prazer de ajudar, de abrir o coração para os irmãos. Como numa grande família.
Ainda conservamos alguma coisa desse tempo. Maringá tem um número de entidades beneficentes bem maior do que outras cidades de igual porte. Prova, Menino Jesus, de que este povo é bom, de coração generoso.
Olha as pessoas que estão nesta igreja. Vieram por tua causa. Porque te amam, Menino. Porque querem seguir-te desde o teu nascimento até a tua ressurreição.
Diz o evangelista Lucas que os anjos deram a notícia de tua chegada aos pastores. Não foram ao palácio de Herodes, o Grande. Menos ainda ao imperador de Roma, senhora do mundo. Foram ao campo, procurar aqueles que estavam tomando conta de suas poucas ovelhas. Eram muito pobres: precisavam cuidar do único patrimônio que tinham para sustentar sua família.
Hoje o teu nascimento só tem valor para pessoas humildes como os pastores. Para pessoas como estas que aqui vieram. Pessoas que abrem seu coração ao anúncio dos anjos. Que ouvem com gosto a notícia do teu nascimento. Que, por causa disso, fazem festa e cantam felizes.
Lá nas grandes mansões, nos requintados apartamentos dos que se consideram importantes, dos ricaços e donos do poder, lá ninguém liga para ti, Menino. Estão pouco se lixando para a tua chegada e tua proposta de mudança de vida. Para eles o mundo é o seu quintal, o espaço para ostentar sua riqueza, para mostrar como são poderosos, como dominam tudo e fazem sempre o que bem entendem. E sempre ficam por cima. Por piores barbaridades que cometam.
Falei que não ia pedir nada. Mas dá licença, vou fazer um pedido, Menino.
Peço aquela coragem que os anjos recomendaram aos pastores. Pessoas simples sempre carregam algum tipo de medo. Somos assim, fazer o quê? Ficamos intimidados diante dos poderosos. Por isso os antigos tinham medo de Deus.
Os anjos disseram para os pastores que não temessem. A notícia trazida por eles representava grande alegria para todo o povo.
Precisamos descobrir essa verdade, Menino. Perceber que o teu nascimento traz alegria para nós que, como os pastores, te contemplamos na manjedoura. Que não há razão para ter medo.
Nem de Deus, que nos ama e nos deu o seu Filho unigênito. Tu vives desde sempre junto do Pai na comunhão do Espírito Santo. E nos foste dado como o presente maior de Deus. És a prova do quanto somos amados por Deus.
Também não precisamos ter medo dos poderosos deste mundo, dos que se revestem da autoridade de cargos públicos. Ainda que pareçam gigantes na capacidade de praticar o mal, não conseguem esconder o que sempre foram: pigmeus insignificantes com quem não se pode contar para nada que valha a pena. Gente minúscula que só olha o próprio umbigo. Que só vive para satisfazer sua ganância doentia. Com pessoas desse tipo não se constrói um mundo novo.
Tu vieste para construir esse outro mundo possível, que se faz com gente de coração renovado. Somos frágeis, é certo. Mas aceitamos teu convite, Menino.
Fica conosco para que, imitando os pastores e os magos, nós te reconheçamos como Nosso Senhor.
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(*) Orivaldo Robles é pároco na Igreja Santa Maria Goretti, Maringá. Homilia da Missa de Natal.