A face oculta de Garotinho
Matéria de Ronaldo França e Ronaldo Soares, capa da Veja desta semana:
Certos políticos encarnam algumas virtudes dos profissionais da vida pública. De século em século aparecem alguns que incorporam a maioria dessas virtudes. Esses são os estadistas da estirpe de Winston Churchill, Franklin Roosevelt e, entre os brasileiros, Juscelino Kubitschek. Tão difícil quanto ver surgir políticos com um saldo de virtudes tão extraordinário é aparecerem aqueles cuja trajetória é a materialização do que a atividade política tem de mais degradante. O pré-candidato à Presidência da República pelo PMDB, Anthony Garotinho, é um desses raros exemplares. Sua trajetória pública como executivo e, agora, como pré-candidato é marcada por populismo, intervencionismo, irresponsabilidade fiscal e administrativa, corrupção, práticas fraudulentas e até falsidade ideológica. Essa singular reunião de males da política em torno de uma candidatura desperta o interesse nacional por simbolizar a resistência de mazelas que o Brasil sofreu para superar em seu lento mas seguro processo de amadurecimento democrático. Por essas razões, a candidatura Garotinho chamou a atenção de VEJA. Nos últimos quatro meses, repórteres da revista acompanharam os primeiros passos de Garotinho em seu início de trajetória. O que eles constataram foi a luta, felizmente inglória, para reavivar velhas e condenáveis práticas políticas.
Em torno da pré-candidatura presidencial de Garotinho aparecem relacionamentos suspeitos com fornecedores, empresas de fachada e uma promíscua relação entre o público e o privado. Descobriu-se que alguns dos empresários que doaram dinheiro são também diretores de ONGs que receberam verbas milionárias dos cofres do estado do Rio de Janeiro, governado por sua mulher, Rosinha Garotinho. O estado pagou, no total, 112 milhões de reais às ONGs e os empresários, supostamente, retribuíram a gentileza usando empresas de fachada. O esquema é vergonhoso, em especial para um candidato tão bem posicionado no jogo eleitoral. Garotinho é o terceiro colocado nas pesquisas de opinião. Cortejado pelo PSDB e temido por Lula, é, até agora, o fiel da balança desta eleição. Sua biografia é pontilhada de situações suspeitas, das quais ele sempre soube se desvencilhar com habilidade. Os holofotes sobre sua figura estão tornando as coisas mais difíceis. O Brasil mudou, ficou mais transparente, a opinião pública abomina os corruptos, mas Garotinho insiste em se portar como se a política ainda fosse feita no porão.
O que veio à tona na semana passada é a parte mais visível dos estratagemas eleitorais do pré-candidato do PMDB. Ao investigar sua movimentação nos últimos meses, VEJA encontrou detalhes ainda mais intrigantes. É, por enquanto, obscura a razão pela qual Garotinho aparece na foto ao lado saindo do avião Cessna Citation III, prefixo PT-LVF, para um evento de campanha em Curitiba, no dia 9 de março. Não foi a primeira vez que Garotinho usou esse avião. Dois dias antes já o utilizara para uma viagem ao Recife. Não é um avião qualquer. Pertence ao ex-policial civil João Arcanjo Ribeiro, vulgarmente conhecido como "Comendador". Arcanjo, preso pela polícia uruguaia após uma caçada internacional, é acusado de ser o chefe do crime organizado em Mato Grosso e em outros quatro estados. É suspeito da morte de um jornalista, de ser traficante de drogas e líder do jogo do bicho naquele estado. Na lista dos bandidos mais procurados do mundo pela Interpol, ele era incluído entre os mais perigosos. Não é alguém com quem uma pessoa honesta queira ter qualquer tipo de relação.
O avião esteve sob a guarda da Polícia Federal até o fim do ano passado, quando a Justiça mandou devolvê-lo a Arcanjo, sob a guarda de um administrador judicial, o auditor aposentado Francisco Bomfim. Em fevereiro, Bomfim assinou um contrato de arrendamento para a empresa Construfert Ambiental Ltda., especializada em limpeza urbana. Um mês depois, Garotinho já podia ser visto a bordo do jato. Uma pista para esclarecer o caminho trilhado pelo ex-governador até o avião de Arcanjo pode ser um documento em poder do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, ao qual VEJA teve acesso. O documento é um fax apreendido pela Polícia Federal, na casa de Arcanjo, em 2003. O conteúdo do documento é uma reportagem da revista IstoÉ, nunca publicada, que apresenta um extenso perfil do bandido. A Polícia Federal suspeita que a reportagem foi produzida e depois engavetada porque, de alguma maneira, Arcanjo teria convencido a Editora Três, proprietária da IstoÉ, a não publicá-la. A Polícia Federal ainda investiga o episódio. O fax apresenta dois registros de envio. O primeiro deles é da presidência da Editora Três, às 13h23 de 21 de março de 2002. Logo acima, novo registro – às 15h15 do mesmo dia –, dessa vez da Mídia Brasil, agência de publicidade de Carlos Rayel, marqueteiro político de Garotinho.
Por que Garotinho usou o avião de uma figura com tal currículo merece uma investigação mais profunda. Já no quesito doações de campanha, as evidências de irregularidades são tão gritantes que justificaram a instauração de inquérito pela Polícia Federal, tendo como alvo as empresas que supostamente doaram os 650.000 reais à pré-campanha do peemedebista. O jornal O Globo mostrou que eram empresas de fachada. Alguns, como o aposentado pernambucano Augusto Alves de Lira, nem sequer ouviram falar na empresa registrada no endereço onde moram. Outros, como Irênio Dias, do Rio de Janeiro, confirmam ter recebido dinheiro pelo uso de seu nome na sociedade. O jornal Folha de S. Paulo também demonstrou que um dos sócios de uma empresa doadora é o presidiário José Onésio Rodrigues Ferreira, que neste momento está preso no Rio de Janeiro. Para completar o circo de horrores que se tornou a apresentação das contas da pré-campanha de Garotinho, soube-se mais tarde que as empresas doadoras tinham sócios em comum com ONGs que fornecem serviços ao estado e, juntas, faturaram 112 milhões de reais dos cofres do governo de Rosinha. Garotinho diz que vai devolver o dinheiro, apesar de não ver nenhuma irregularidade nas doações. Não se sabe exatamente a quem, uma vez que as empresas não existem; mas as impropriedades não terminam aí.
VEJA descobriu que os problemas na lista de campanha de Garotinho não se restringem aos doadores. Também há fornecedores implicados. Coincidentemente ou não, dois deles são do ramo de transporte aéreo. A Suprema Comércio e Serviços Aeronáuticos Ltda., que teria alugado jatinhos por 113.000 reais à campanha, responde a três ações judiciais nas cortes federal e estadual de São Paulo. Um dos processos é movido pela Fazenda Nacional e um outro, pelo Banco Itaú, por utilização de cheques sem fundo. Sem registro no DAC como empresa de táxi aéreo, sua sede funciona na casa da mãe do sócio majoritário, Roberto Squitino. Ele disse a VEJA que nunca fez nenhum vôo para Garotinho ou para o PMDB. Esse é um episódio nebuloso. Squitino afirma que pode ter sido procurado por outra empresa que subloca aviões, a Extra Locação, esta sim a serviço do PMDB. Já a Extra afirma que nunca foi procurada pelo PMDB, e sim pela Suprema. Tudo leva a crer que se trata de mais uma operação de fachada. Primeiro porque quem aparece nas contas é a Suprema, e não a Extra. Há também um conflito de datas. As empresas não se entendem sobre qual período teriam tido Garotinho como cliente.
A outra empresa é a Táxi Aéreo Pinhal, do grupo JetSul Linhas Aéreas, de São José dos Pinhais, no Paraná. A JetSul responde a inquérito na Polícia Federal por evasão de divisas utilizando uma das subcontas da Beacon Hill, a famosa financeira americana que foi fechada pelas autoridades de Nova York por funcionar, basicamente, como lavanderia de dinheiro brasileiro.
Em uma entrevista na sede do diretório estadual do PMDB, na semana passada, dois repórteres de VEJA tiveram acesso a uma lista de doadores e fornecedores de serviços para a campanha diferente da que foi divulgada na internet. Ela foi apresentada pelo secretário-geral do PMDB fluminense, Carlos Alberto Muniz, como a lista oficial da campanha. Ele prometeu entregar uma cópia e afirmou que a versão da internet seria atualizada. Não aconteceu nem uma coisa nem outra. Ou seja, havia, na semana passada, duas listas de contas de campanha: uma oficial e outra paralela.
Entre as empresas relacionadas na lista a que VEJA teve acesso, uma chama atenção. A Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda. (Best), contratada pela pré-campanha de Garotinho, é uma empresa de serviços gerais que, no Rio de Janeiro, se tornou a maior locadora de automóveis para o governo de sua mulher, Rosinha. São 300 carros, entre automóveis de passeio, picapes e caminhões, com os quais a Best fatura 26 milhões de reais por ano, num contrato com claros indícios de superfaturamento. De acordo com documentos aos quais VEJA teve acesso, o valor do aluguel de todos os carros é muito superior ao de mercado. Para efeito de comparação, o aluguel de um Volkswagen Gol, com ar-condicionado, cobrado do estado pela empresa é de 150 reais por dia. Ou seja, 4.500 reais por mês. Um carro da mesma categoria alugado nas melhores empresas do ramo custa, no máximo, 1.500 reais por mês, com seguro incluído. Outro mistério que cerca a lista da campanha é que ela não traz nenhuma menção a gastos com pesquisas de opinião. Sabe-se que Garotinho encomendou duas pesquisas ao Ibope, uma delas sobre a intenção de votos para a Presidência da República, que incluía uma avaliação específica sobre sua imagem junto ao eleitorado. O preço médio de cada pesquisa no mercado é de 100.000 reais.
O relacionamento com empresas, empresários e políticos nebulosos é uma constante na carreira de Garotinho. Seu nome apareceu em escândalos nacionais. Waldomiro Diniz, o ex-assessor parlamentar da Casa Civil flagrado em cobrança de propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira, dizia a seu interlocutor estar arrecadando dinheiro também para a campanha de Rosinha Garotinho. Antes do governo do PT, ele havia sido presidente da empresa lotérica do estado do Rio de Janeiro, a Loterj, e chefe do escritório de representação do estado em Brasília. No caso do propinoduto, o principal acusado, Rodrigo Silveirinha, era seu secretário adjunto de Administração Tributária e homem forte na campanha de sua mulher ao governo. No caso do mensalão, a CPI dos Correios apurou que a Prece, o fundo de pensão da Companhia de Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro, foi, entre todos os fundos de pensão investigados, o que registrou o maior volume de perdas. A Prece, assim como a Cedae, é um feudo político do deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB-RJ. Para quem não o conhece, Cunha é uma espécie de José Dirceu de Garotinho. O homem por trás das principais decisões do candidato. E o mesmo que morou por um tempo no hotel Blue Tree, em Brasília, a expensas do doleiro Lucio Funaro, o principal beneficiário das maracutaias na Prece. Descoberto, Cunha teve de sair às pressas. Garotinho – e como não se lembrar de Lula aqui? – sempre alegou não ter conhecimento das ações de seus colaboradores, mesmo os mais próximos.
Garotinho pode alegar o mesmo agora. Mas, depois de tudo o que se descobriu sobre falcatruas de campanha eleitoral, será mais difícil convencer a opinião pública. Parece incrível que, depois da torrente de denúncias contra as armações petistas, Garotinho tenha se deixado flagrar em relações que apontam para o mesmo tipo de conduta reprovável. Se boa parte do PMDB já relutava em referendar o nome do ex-governador como candidato à sucessão presidencial, esse movimento ganhou força na semana passada. O destino de Garotinho tem importância na corrida presidencial, pois se trata de um ator político cuja presença na arena é valorizada pelos 15% de intenções de voto que carrega. Com ele no jogo, a disputa estaria praticamente com seu passaporte carimbado para o segundo turno, o que interessa aos tucanos. Por isso é tão cortejado. Já se reuniu com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. Para Lula, Garotinho é um estorvo, pois seu discurso nacional populista tem forte apelo justamente nas camadas populares, em que o presidente colhe mais votos.
Sua trajetória, no entanto, não promete nada renovador à política nacional. Ao contrário, ela parece um fóssil vivo de uma era que o Brasil superou. Na economia, Garotinho apresenta idéias ultrapassadas e perigosas, com claros sinais de esclerose, tais como a defesa de investimentos estatais em larga escala para alavancar o crescimento. Algo que, se funcionou no passado (e há dúvidas se funcionou mesmo), não tem mais lugar no mundo. Sua defesa do fim das metas de superávit fiscal também demonstra a falta de visão quanto à responsabilidade fiscal com que todas as democracias de mercado precisam ser geridas. E esses são apenas alguns dos pontos de seu discurso nacional-desenvolvimentista amarrotado. Igualmente amarfanhados são seus métodos políticos, que acabaram levando-o a uma ação na Justiça Eleitoral. Garotinho e seus correligionários foram flagrados trocando o cadastramento em programas sociais do Estado por votos na eleição para a prefeitura de Campos, seu berço político. Na mesma eleição, em 2004, a Polícia Federal o flagrou com 318.000 reais em dinheiro de origem suspeita na sede do diretório do partido. A conduta criminosa pode resultar na perda de seus direitos políticos até 2007, sobre o que a Justiça ainda vai se manifestar em definitivo. Seu modo de governar também é questionável. Programas sociais de caráter eminentemente populista são empregados em larga escala, com propósitos meramente eleitorais. Sob seu comando, o estado do Rio de Janeiro foi loteado entre seus aliados, tal como manda a cartilha do fisiologismo nacional. É a bordo desse legado que Garotinho alçou os primeiros vôos na campanha presidencial deste ano. A julgar pela qualidade de suas companhias, pela veracidade de suas contas e pela bruma de suas relações com o mundo empresarial, existe a possibilidade real de seu projeto se espatifar antes mesmo da decolagem.
Em torno da pré-candidatura presidencial de Garotinho aparecem relacionamentos suspeitos com fornecedores, empresas de fachada e uma promíscua relação entre o público e o privado. Descobriu-se que alguns dos empresários que doaram dinheiro são também diretores de ONGs que receberam verbas milionárias dos cofres do estado do Rio de Janeiro, governado por sua mulher, Rosinha Garotinho. O estado pagou, no total, 112 milhões de reais às ONGs e os empresários, supostamente, retribuíram a gentileza usando empresas de fachada. O esquema é vergonhoso, em especial para um candidato tão bem posicionado no jogo eleitoral. Garotinho é o terceiro colocado nas pesquisas de opinião. Cortejado pelo PSDB e temido por Lula, é, até agora, o fiel da balança desta eleição. Sua biografia é pontilhada de situações suspeitas, das quais ele sempre soube se desvencilhar com habilidade. Os holofotes sobre sua figura estão tornando as coisas mais difíceis. O Brasil mudou, ficou mais transparente, a opinião pública abomina os corruptos, mas Garotinho insiste em se portar como se a política ainda fosse feita no porão.
O que veio à tona na semana passada é a parte mais visível dos estratagemas eleitorais do pré-candidato do PMDB. Ao investigar sua movimentação nos últimos meses, VEJA encontrou detalhes ainda mais intrigantes. É, por enquanto, obscura a razão pela qual Garotinho aparece na foto ao lado saindo do avião Cessna Citation III, prefixo PT-LVF, para um evento de campanha em Curitiba, no dia 9 de março. Não foi a primeira vez que Garotinho usou esse avião. Dois dias antes já o utilizara para uma viagem ao Recife. Não é um avião qualquer. Pertence ao ex-policial civil João Arcanjo Ribeiro, vulgarmente conhecido como "Comendador". Arcanjo, preso pela polícia uruguaia após uma caçada internacional, é acusado de ser o chefe do crime organizado em Mato Grosso e em outros quatro estados. É suspeito da morte de um jornalista, de ser traficante de drogas e líder do jogo do bicho naquele estado. Na lista dos bandidos mais procurados do mundo pela Interpol, ele era incluído entre os mais perigosos. Não é alguém com quem uma pessoa honesta queira ter qualquer tipo de relação.
O avião esteve sob a guarda da Polícia Federal até o fim do ano passado, quando a Justiça mandou devolvê-lo a Arcanjo, sob a guarda de um administrador judicial, o auditor aposentado Francisco Bomfim. Em fevereiro, Bomfim assinou um contrato de arrendamento para a empresa Construfert Ambiental Ltda., especializada em limpeza urbana. Um mês depois, Garotinho já podia ser visto a bordo do jato. Uma pista para esclarecer o caminho trilhado pelo ex-governador até o avião de Arcanjo pode ser um documento em poder do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, ao qual VEJA teve acesso. O documento é um fax apreendido pela Polícia Federal, na casa de Arcanjo, em 2003. O conteúdo do documento é uma reportagem da revista IstoÉ, nunca publicada, que apresenta um extenso perfil do bandido. A Polícia Federal suspeita que a reportagem foi produzida e depois engavetada porque, de alguma maneira, Arcanjo teria convencido a Editora Três, proprietária da IstoÉ, a não publicá-la. A Polícia Federal ainda investiga o episódio. O fax apresenta dois registros de envio. O primeiro deles é da presidência da Editora Três, às 13h23 de 21 de março de 2002. Logo acima, novo registro – às 15h15 do mesmo dia –, dessa vez da Mídia Brasil, agência de publicidade de Carlos Rayel, marqueteiro político de Garotinho.
Por que Garotinho usou o avião de uma figura com tal currículo merece uma investigação mais profunda. Já no quesito doações de campanha, as evidências de irregularidades são tão gritantes que justificaram a instauração de inquérito pela Polícia Federal, tendo como alvo as empresas que supostamente doaram os 650.000 reais à pré-campanha do peemedebista. O jornal O Globo mostrou que eram empresas de fachada. Alguns, como o aposentado pernambucano Augusto Alves de Lira, nem sequer ouviram falar na empresa registrada no endereço onde moram. Outros, como Irênio Dias, do Rio de Janeiro, confirmam ter recebido dinheiro pelo uso de seu nome na sociedade. O jornal Folha de S. Paulo também demonstrou que um dos sócios de uma empresa doadora é o presidiário José Onésio Rodrigues Ferreira, que neste momento está preso no Rio de Janeiro. Para completar o circo de horrores que se tornou a apresentação das contas da pré-campanha de Garotinho, soube-se mais tarde que as empresas doadoras tinham sócios em comum com ONGs que fornecem serviços ao estado e, juntas, faturaram 112 milhões de reais dos cofres do governo de Rosinha. Garotinho diz que vai devolver o dinheiro, apesar de não ver nenhuma irregularidade nas doações. Não se sabe exatamente a quem, uma vez que as empresas não existem; mas as impropriedades não terminam aí.
VEJA descobriu que os problemas na lista de campanha de Garotinho não se restringem aos doadores. Também há fornecedores implicados. Coincidentemente ou não, dois deles são do ramo de transporte aéreo. A Suprema Comércio e Serviços Aeronáuticos Ltda., que teria alugado jatinhos por 113.000 reais à campanha, responde a três ações judiciais nas cortes federal e estadual de São Paulo. Um dos processos é movido pela Fazenda Nacional e um outro, pelo Banco Itaú, por utilização de cheques sem fundo. Sem registro no DAC como empresa de táxi aéreo, sua sede funciona na casa da mãe do sócio majoritário, Roberto Squitino. Ele disse a VEJA que nunca fez nenhum vôo para Garotinho ou para o PMDB. Esse é um episódio nebuloso. Squitino afirma que pode ter sido procurado por outra empresa que subloca aviões, a Extra Locação, esta sim a serviço do PMDB. Já a Extra afirma que nunca foi procurada pelo PMDB, e sim pela Suprema. Tudo leva a crer que se trata de mais uma operação de fachada. Primeiro porque quem aparece nas contas é a Suprema, e não a Extra. Há também um conflito de datas. As empresas não se entendem sobre qual período teriam tido Garotinho como cliente.
A outra empresa é a Táxi Aéreo Pinhal, do grupo JetSul Linhas Aéreas, de São José dos Pinhais, no Paraná. A JetSul responde a inquérito na Polícia Federal por evasão de divisas utilizando uma das subcontas da Beacon Hill, a famosa financeira americana que foi fechada pelas autoridades de Nova York por funcionar, basicamente, como lavanderia de dinheiro brasileiro.
Em uma entrevista na sede do diretório estadual do PMDB, na semana passada, dois repórteres de VEJA tiveram acesso a uma lista de doadores e fornecedores de serviços para a campanha diferente da que foi divulgada na internet. Ela foi apresentada pelo secretário-geral do PMDB fluminense, Carlos Alberto Muniz, como a lista oficial da campanha. Ele prometeu entregar uma cópia e afirmou que a versão da internet seria atualizada. Não aconteceu nem uma coisa nem outra. Ou seja, havia, na semana passada, duas listas de contas de campanha: uma oficial e outra paralela.
Entre as empresas relacionadas na lista a que VEJA teve acesso, uma chama atenção. A Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda. (Best), contratada pela pré-campanha de Garotinho, é uma empresa de serviços gerais que, no Rio de Janeiro, se tornou a maior locadora de automóveis para o governo de sua mulher, Rosinha. São 300 carros, entre automóveis de passeio, picapes e caminhões, com os quais a Best fatura 26 milhões de reais por ano, num contrato com claros indícios de superfaturamento. De acordo com documentos aos quais VEJA teve acesso, o valor do aluguel de todos os carros é muito superior ao de mercado. Para efeito de comparação, o aluguel de um Volkswagen Gol, com ar-condicionado, cobrado do estado pela empresa é de 150 reais por dia. Ou seja, 4.500 reais por mês. Um carro da mesma categoria alugado nas melhores empresas do ramo custa, no máximo, 1.500 reais por mês, com seguro incluído. Outro mistério que cerca a lista da campanha é que ela não traz nenhuma menção a gastos com pesquisas de opinião. Sabe-se que Garotinho encomendou duas pesquisas ao Ibope, uma delas sobre a intenção de votos para a Presidência da República, que incluía uma avaliação específica sobre sua imagem junto ao eleitorado. O preço médio de cada pesquisa no mercado é de 100.000 reais.
O relacionamento com empresas, empresários e políticos nebulosos é uma constante na carreira de Garotinho. Seu nome apareceu em escândalos nacionais. Waldomiro Diniz, o ex-assessor parlamentar da Casa Civil flagrado em cobrança de propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira, dizia a seu interlocutor estar arrecadando dinheiro também para a campanha de Rosinha Garotinho. Antes do governo do PT, ele havia sido presidente da empresa lotérica do estado do Rio de Janeiro, a Loterj, e chefe do escritório de representação do estado em Brasília. No caso do propinoduto, o principal acusado, Rodrigo Silveirinha, era seu secretário adjunto de Administração Tributária e homem forte na campanha de sua mulher ao governo. No caso do mensalão, a CPI dos Correios apurou que a Prece, o fundo de pensão da Companhia de Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro, foi, entre todos os fundos de pensão investigados, o que registrou o maior volume de perdas. A Prece, assim como a Cedae, é um feudo político do deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB-RJ. Para quem não o conhece, Cunha é uma espécie de José Dirceu de Garotinho. O homem por trás das principais decisões do candidato. E o mesmo que morou por um tempo no hotel Blue Tree, em Brasília, a expensas do doleiro Lucio Funaro, o principal beneficiário das maracutaias na Prece. Descoberto, Cunha teve de sair às pressas. Garotinho – e como não se lembrar de Lula aqui? – sempre alegou não ter conhecimento das ações de seus colaboradores, mesmo os mais próximos.
Garotinho pode alegar o mesmo agora. Mas, depois de tudo o que se descobriu sobre falcatruas de campanha eleitoral, será mais difícil convencer a opinião pública. Parece incrível que, depois da torrente de denúncias contra as armações petistas, Garotinho tenha se deixado flagrar em relações que apontam para o mesmo tipo de conduta reprovável. Se boa parte do PMDB já relutava em referendar o nome do ex-governador como candidato à sucessão presidencial, esse movimento ganhou força na semana passada. O destino de Garotinho tem importância na corrida presidencial, pois se trata de um ator político cuja presença na arena é valorizada pelos 15% de intenções de voto que carrega. Com ele no jogo, a disputa estaria praticamente com seu passaporte carimbado para o segundo turno, o que interessa aos tucanos. Por isso é tão cortejado. Já se reuniu com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. Para Lula, Garotinho é um estorvo, pois seu discurso nacional populista tem forte apelo justamente nas camadas populares, em que o presidente colhe mais votos.
Sua trajetória, no entanto, não promete nada renovador à política nacional. Ao contrário, ela parece um fóssil vivo de uma era que o Brasil superou. Na economia, Garotinho apresenta idéias ultrapassadas e perigosas, com claros sinais de esclerose, tais como a defesa de investimentos estatais em larga escala para alavancar o crescimento. Algo que, se funcionou no passado (e há dúvidas se funcionou mesmo), não tem mais lugar no mundo. Sua defesa do fim das metas de superávit fiscal também demonstra a falta de visão quanto à responsabilidade fiscal com que todas as democracias de mercado precisam ser geridas. E esses são apenas alguns dos pontos de seu discurso nacional-desenvolvimentista amarrotado. Igualmente amarfanhados são seus métodos políticos, que acabaram levando-o a uma ação na Justiça Eleitoral. Garotinho e seus correligionários foram flagrados trocando o cadastramento em programas sociais do Estado por votos na eleição para a prefeitura de Campos, seu berço político. Na mesma eleição, em 2004, a Polícia Federal o flagrou com 318.000 reais em dinheiro de origem suspeita na sede do diretório do partido. A conduta criminosa pode resultar na perda de seus direitos políticos até 2007, sobre o que a Justiça ainda vai se manifestar em definitivo. Seu modo de governar também é questionável. Programas sociais de caráter eminentemente populista são empregados em larga escala, com propósitos meramente eleitorais. Sob seu comando, o estado do Rio de Janeiro foi loteado entre seus aliados, tal como manda a cartilha do fisiologismo nacional. É a bordo desse legado que Garotinho alçou os primeiros vôos na campanha presidencial deste ano. A julgar pela qualidade de suas companhias, pela veracidade de suas contas e pela bruma de suas relações com o mundo empresarial, existe a possibilidade real de seu projeto se espatifar antes mesmo da decolagem.
3 pitacos:
Por que será que a Veja não investiga também o candidato tucano?
Esse tal de Alckmin, que representa o que há de mais expoente em termos de defesa das oligarquias industriasi paulistas. Por quê?
E por que o senhor Rigon também não destaca matérias de outras revistas, digamos, mais independentes, como por exemplo "Carta Capital" e "Caros Amigos" ? Ou o periódico "Brasil de Fato".
Caso o colunista ainda não tenha acesso a essas informações, sugiro que experimente. Possuem uma visão menos americanizada das coisas.
Conheço o Jornalistsa Rigon, e sei que ele nao é um americanófilo, mas concordo que ele tem que acessar e postar comentasrios de algumas revistas tipo Carta Capital, Caros Amigos, pois a Veja hoje é uma revista contaminada por interesses nao muito claros, apos a tentativa fracassada de golpe na Venezuela o furor da revista contra regimes legitimamente eleitos só tem arrefecido.
Independentemente das posições desta ou daquela revista, deste ou daquele articulador, o que não se pode pode ignorar é que o casal Garotinho não sai do âmbito das suspeições. Em se tratando de casal "cristão evangélico", e, por consequência, muito mais policiado neste Brasil "católico", teriam por obrigação estar acima de qualquer suspeita. Mas, lamentávelmente, não é isso que ocorre, o que entristece sobremaneira aqueles que tentam imitar a Cristo e praticar seus ensinamentos em todos os segmentos dessa vida. Como cobrar Lula e seus asseclas da corrupção, poucas vezes presenciadas neste país, se os "paladinos" da moral e comprometimento se expoem, e nos expoem, à toda sorte de críticas dos ávidos pelos deslizes dos "intocáveis"? Francamente, o casal garotinho só contribui para o descrédito das coisas que são corretas e sérias que deveriam ser almejadas por todos os cidadãos, sobretudo deste Brasil tão pouco afeito aos princípios de cidadania, justiça, honestidade...
Lamnetável.
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Vê lá o que vai escrever! Evite agressão e preconceito. Eu não vou mais colocar xizinho; na dúvida, não libero o comentário.