6.3.06

Veja: Valério ameaça falar

A matéria é de Alexandre Oltramari e Otávio Cabral e é a principal da revista Veja desta semana (completa, para assinantes, aqui).


O publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, o pagador do mensalão, sentindo-se emparedado pela CPI dos Correios, anda ameaçando fazer revelações capazes de dar nova dimensão à crise – e, além do PT, está deixando o PMDB de cabelo em pé. Do fim de dezembro até agora, o publicitário conversou pelo menos três vezes por telefone com o ex-deputado José Borba, ex-líder do PMDB na Câmara que renunciou ao mandato em outubro passado quando se descobriu que embolsara 2,1 milhões de reais no valerioduto. Nas conversas telefônicas com Borba, Marcos Valério tem lembrado um acordo selado no começo do escândalo: o PMDB colocaria na CPI dos Correios um relator capaz de dar proteção a Marcos Valério, que, em troca, manteria silêncio sobre o envolvimento de peemedebistas com o mensalão. Como já ficou demonstrado que Osmar Serraglio, o relator da CPI dos Correios, não fez acordo algum nem pretende protegê-lo, Marcos Valério ameaça contar o que sabe. VEJA ouviu dois senadores que conversaram com Borba. Eles disseram que o publicitário ameaça disparar três petardos que fisgam o PMDB e, claro, o PT. São eles:
• Valério tem ameaçado contar que, no início do ano passado, repassou dinheiro para que José Borba pudesse ficar como líder do PMDB na Câmara, comprando o apoio da ala oposicionista do partido, que iniciara um movimento para destituí-lo. (Soube-se, então, que Borba conseguira neutralizar a rebelião dos oposicionistas, para felicidade do Palácio do Planalto, que torcia por sua permanência.)
• Valério tem dito ainda que Simone Vasconcelos, a diretora da agência de publicidade SMPB, fazia pagamentos do mensalão também para deputados do PMDB. (Ao depor na CPI dos Correios, a diretora disse que várias vezes se hospedou em hotéis em Brasília e, no quarto, contava e distribuía dinheiro a engravatados, mas não soube identificá-los.)
• O publicitário tem avisado que pode revelar detalhes de como, nos primeiros meses de 2004, repassou dinheiro para que José Borba pagasse o apresentador Carlos Massa, o Ratinho. O apresentador, em troca do dinheiro, passaria a usar seu programa no SBT como palanque para promover o presidente Lula e a então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, que se encontrava em campanha reeleitoral. (Como se sabe, Ratinho fez uma longa entrevista com Lula durante um churrasco na Granja do Torto. A entrevista-churrasco foi exaustivamente reprisada no seu programa, mas o apresentador sempre negou que tivesse recebido qualquer pagamento.)
Joedson Alves/AE

José Borba, ex-líder do PMDB: viagens a São Paulo e encontros com Valério e Delúbio

O publicitário Marcos Valério, de fato, manteve relações estreitas com José Borba. Um ex-auxiliar do PMDB, que privou da intimidade do ex-deputado, conta que Borba tinha encontros freqüentes com Marcos Valério no hotel Sofitel, no bairro do Ibirapuera, em São Paulo. Nesses encontros, além de Borba e Valério, outros dois personagens das sombras costumavam aparecer: o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o advogado Roberto Bertholdo, braço-direito de Borba e então membro do conselho de administração de Itaipu. Entre setembro de 2004 e março de 2005, os quatro fizeram pelo menos quatro reuniões no Sofitel. O ex-auxiliar do PMDB, que conversou com VEJA sob a condição de ficar no anonimato, nunca participou das reuniões, mas sabe que, depois delas, Borba voltava para Brasília e, numa saleta ao lado de seu gabinete de líder, recebia filas de deputados do PMDB. Mas havia uma logística curiosa: os deputados entravam na saleta um a um, nunca em grupo. O entra-e-sai ocorria quase sempre à noite.
O advogado Roberto Bertholdo, sendo o principal assessor de José Borba, era o encarregado de operar o mensalão dentro do PMDB. Um ex-aliado de Bertholdo, em conversa de quase cinco horas com VEJA, contou detalhes da façanha. Ele diz que Bertholdo distribuía o mensalão a 55 dos 81 deputados do PMDB. Todos os 55 deputados pertenciam à base do governo. A mesada variava entre 15.000 reais e 200.000 reais, conforme o cacife do deputado mensaleiro. O ex-aliado conta que Bertholdo adorava exercer esse papel e, como trabalhava em nome dos interesses do governo, achava que pairava acima da lei. Numa ocasião, em meados de 2004, querendo exibir seu poder, Bertholdo telefonou ao ex-aliado e convidou-o a visitá-lo no Aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais. Era noite e chovia nas franjas de Curitiba. Ao chegar ao aeroporto, o ex-aliado encontrou Bertholdo a bordo do Citation II que costumava usar e que pertencia ao empresário paranaense Wadi Debes. Dentro do avião, esparramado sobre uma poltrona de couro, Bertholdo mostrou ao amigo uma caixa de papelão, aberta, cheia de dinheiro.
"Tem 8 milhões de reais aí", disse Bertholdo. Diante da surpresa do interlocutor, que lhe perguntou se não tinha receio de ser preso com tanto dinheiro vivo, Bertholdo respondeu com a empáfia que só a certeza da impunidade proporciona: "Que perigo, o quê? Eu tô operando para o governo". Na semana passada, VEJA teve acesso a um conjunto de gravações de conversas de Bertholdo nas quais fica claríssimo que, de fato, ele operava em nome do governo – e, nessas conversas, aparecem os bastidores de uma negociação com quem? Com Ratinho, para fazer propaganda do presidente Lula e da ex-prefeita Marta Suplicy. As gravações, que somam quase 200 horas, foram realizadas em 2004 pelo advogado Sérgio Renato Costa Filho, então sócio de Bertholdo no escritório Bertholdo & Costa Advogados. Como Costa Filho gravou as próprias conversas com Bertholdo, a arapongagem não constitui crime – embora seu conteúdo, já em poder da Polícia Federal, seja suficiente para enquadrar o homem da mala do PMDB em uma fieira de artigos do Código Penal.
Em um dos trechos das gravações, Bertholdo revela ao sócio que está intermediando um acordo entre Ratinho e o PT para que o apresentador fale bem do partido em 2004. "O PT topou pagar. Cinco paus", diz Bertholdo. A polícia acredita que "cinco paus" sejam 5 milhões de reais. Em outro trecho, Bertholdo informa que a negociação conta também com a presença do então tesoureiro do PT, Delúbio Soares (veja transcrição). Como era maquinista do trem pagador do PMDB, Bertholdo priorizava seu partido quando surgia, digamos assim, um conflito de interesses. Um caso emblemático ocorreu em Itaipu, onde Bertholdo foi conselheiro de 2003 a fevereiro de 2005. Em uma das conversas gravadas pelo sócio, Bertholdo diz que o diretor-geral de Itaipu, o petista Jorge Samek, cobrou 6 milhões de dólares de propina da empresa Voith Siemens para perdoar uma dívida de 200 milhões de dólares para com a estatal. Ele fica uma fera ao saber que o PMDB fora excluído da negociata. "Temos que pegar pelo menos três", diz Bertholdo.
O que torna essa gravação perturbadora é o fato de que a Voith Siemens, de fato, tinha um negócio de quase 200 milhões de dólares com Itaipu e que, de fato, uma dívida sua com a estatal foi perdoada – de um modo heterodoxo. Em 2000, a Voith Siemens comprometeu-se a entregar duas novas turbinas para Itaipu, num negócio de 184,6 milhões de dólares, mas não conseguiu cumprir o prazo. Sofreu uma multa de 2,6 milhões de dólares, que foi devidamente paga, mas também tinha de sofrer outra multa, de 18,6 milhões de dólares. A multa gorda, porém, foi graciosamente perdoada e o prazo de entrega das turbinas foi estendido. O mimo saiu na forma de um despacho, de três páginas, assinado pelo diretor-geral Jorge Samek. O novo prazo venceu em setembro do ano passado, mas também não foi cumprido. Aliás, até agora Itaipu espera as turbinas da Voith Siemens – e a multa por esse atraso interminável está hoje em 9 milhões de dólares, mas nem um tostão foi pago. Ouvido por VEJA, Samek refutou a acusação de pegar propina. "Jamais fiz qualquer acordo nesse sentido", afirma. "Trata-se de um absurdo, uma infâmia, um crime contra a minha honra." A Voith Siemens, por meio de sua assessoria de imprensa, mandou dizer que "não paga propina a nenhuma instituição, pessoa jurídica ou física".
O diretor-geral de Itaipu, Jorge Samek, integra o seleto grupo de amigos íntimos do presidente Lula. Samek costuma participar de churrascos e festas de réveillon na Granja do Torto. Foi por escolha direta de Lula que ele assumiu a diretoria de Itaipu, onde permanece até hoje. Samek também já foi bastante próximo de Bertholdo. Quando ambos trabalhavam em Itaipu, Samek costumava ir a Brasília de carona com Bertholdo no Citation das caixas de dinheiro. Mas, enquanto Sameck se mantém firme no comando de Itaipu, Bertholdo caiu. Renunciou ao cargo de conselheiro de Itaipu em fevereiro do ano passado – e está preso há quatro meses. Bertholdo é acusado pela Polícia Federal de grampear um juiz federal e de torturar seu ex-sócio Sérgio Renato Costa Filho, no início do ano passado, numa violenta tentativa de reaver as fitas nas quais faz algumas das confidências relatadas nesta reportagem. Também é acusado de tráfico de influência e lavagem de dinheiro. A acusação de lavagem de dinheiro indica que a relação pecuniária entre Bertholdo e Ratinho tem pelo menos um antecedente. Bertholdo é acusado de lavar 200.000 reais para Ratinho, espalhando o dinheiro em contas de funcionários, amigos e colaboradores do apresentador. A Polícia Federal e o Ministério Público, que investigam o caso, suspeitam que os 200.000 reais eram pagamento ao apoio de Ratinho a algum político assessorado pelo homem da mala do PMDB.

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