Pedro Bloch em Maringá
Por HERCULES MAIA KOTSIFAS:
Estive semana passada no teatro Barracão para assistir As Mãos de Eurídice, o clássico monólogo escrito por Pedro Bloch e encenado com sucesso no mundo todo durante os anos 50/70. Só pra se ter uma idéia, As Mãos de Eurídice foi levada aos palcos dos cinco continentes, teve temporada na Broadway (Booth Theatre em 1952) e foi representada mais de três mil vezes por Rodolfo Mayer. Pois bem, com todos esses atributos era de se esperar que o teatro estivesse lotado.
Quem a trazia a Maringá era Jackson Paris, cuja vida está de tal modo imbricada com o texto, que o próprio já não sabe quando está representando o Gumercindo Tavares (personagem do monólogo) ou quando é o próprio Jackson. Há 43 anos Jackson roda o Brasil com o monólogo. É o que se pode dizer, sem medo da hipérbole, de uma vida dedicada ao teatro. Motivos mais do que suficientes para a população maringaense prestigiar a apresentação. Ainda que não fosse pelo magistral texto de Bloch - dado que o conhecimento da literatura dramática é sofrível -, era de se esperar uma presença maciça como homenagem ao próprio Jackson. Assim, entusiasmado - eu que assistira ao espetáculo há vinte anos - me abalei para o Barracão com uma boa meia hora de antecedência.
Talvez estivesse com o relógio um pouco adiantado; talvez o horário do espetáculo fosse outro; o fato é que diante do teatro havia apenas um carro estacionado: um velho fusca. De pé, encostado na bilheteria, os braços cruzados, expressão desalentada, o próprio Jackson. A barba completamente branca, o rosto marcado pelo cansaço, ralos fios de cabelos, a roupa muito simples. Eis Jackson Paris, 43 anos nas estradas do Brasil levando um pouco de arte a um povo acostumado com a barbárie de uma classe política corrupta; de uma elite desonesta; de arrivistas de toda espécie. Jackson Paris diante do teatro era a própria encarnação de Dom Quixote lutando contra moinhos de vento.
Faltava poucos minutos para o início do espetáculo e a platéia se resumia a cinco pessoas. Fui falar com Jackson. Ele só repetia: "Que coisa, hein? Que coisa". Explicou que passara as últimas cinco semanas promovendo o espetáculo em Maringá. Tivera página cheia no O Diário, visitara as rádios e o comércio. E não compreendia como pudera atrair somente cinco pessoas. A menor platéia de sua vida. É isso, Nos 43 anos aquela era a menor platéia. Maringá ganhara esse troféu.
Compungido, Jackson disse que não haveria espetáculo. Ele não conseguiria dar vida a Gumercindo Tavares para apenas cinco pessoas. Seria um desrespeito para com o texto mais encenado do teatro brasileiro. Concordei plenamente. Maringá não merece As Mãos de Eurídice. Maringá não merece Pedro Bloch. Maringá não merece Jackson Paris. Despedimo-nos e a última coisa que ele me disse foi: "Onde vou arranjar dinheiro para pagar o hotel?"
Ah, ia me esquecendo. Na semana anterior, no mesmo Barracão, houve a apresentação da "Saga Roseana", baseada em Guimarães Rosa. Havia sete pessoas na platéia. Foi deprimente.
(*) Hercules Maia Kotsifas é escritor em Maringá - hkotsifas@hotmail.com
Quem a trazia a Maringá era Jackson Paris, cuja vida está de tal modo imbricada com o texto, que o próprio já não sabe quando está representando o Gumercindo Tavares (personagem do monólogo) ou quando é o próprio Jackson. Há 43 anos Jackson roda o Brasil com o monólogo. É o que se pode dizer, sem medo da hipérbole, de uma vida dedicada ao teatro. Motivos mais do que suficientes para a população maringaense prestigiar a apresentação. Ainda que não fosse pelo magistral texto de Bloch - dado que o conhecimento da literatura dramática é sofrível -, era de se esperar uma presença maciça como homenagem ao próprio Jackson. Assim, entusiasmado - eu que assistira ao espetáculo há vinte anos - me abalei para o Barracão com uma boa meia hora de antecedência.
Talvez estivesse com o relógio um pouco adiantado; talvez o horário do espetáculo fosse outro; o fato é que diante do teatro havia apenas um carro estacionado: um velho fusca. De pé, encostado na bilheteria, os braços cruzados, expressão desalentada, o próprio Jackson. A barba completamente branca, o rosto marcado pelo cansaço, ralos fios de cabelos, a roupa muito simples. Eis Jackson Paris, 43 anos nas estradas do Brasil levando um pouco de arte a um povo acostumado com a barbárie de uma classe política corrupta; de uma elite desonesta; de arrivistas de toda espécie. Jackson Paris diante do teatro era a própria encarnação de Dom Quixote lutando contra moinhos de vento.
Faltava poucos minutos para o início do espetáculo e a platéia se resumia a cinco pessoas. Fui falar com Jackson. Ele só repetia: "Que coisa, hein? Que coisa". Explicou que passara as últimas cinco semanas promovendo o espetáculo em Maringá. Tivera página cheia no O Diário, visitara as rádios e o comércio. E não compreendia como pudera atrair somente cinco pessoas. A menor platéia de sua vida. É isso, Nos 43 anos aquela era a menor platéia. Maringá ganhara esse troféu.
Compungido, Jackson disse que não haveria espetáculo. Ele não conseguiria dar vida a Gumercindo Tavares para apenas cinco pessoas. Seria um desrespeito para com o texto mais encenado do teatro brasileiro. Concordei plenamente. Maringá não merece As Mãos de Eurídice. Maringá não merece Pedro Bloch. Maringá não merece Jackson Paris. Despedimo-nos e a última coisa que ele me disse foi: "Onde vou arranjar dinheiro para pagar o hotel?"
Ah, ia me esquecendo. Na semana anterior, no mesmo Barracão, houve a apresentação da "Saga Roseana", baseada em Guimarães Rosa. Havia sete pessoas na platéia. Foi deprimente.
(*) Hercules Maia Kotsifas é escritor em Maringá - hkotsifas@hotmail.com
(O artigo está em O Diário de hoje. Rodolfo Mayer não veio a Maringá, mas Lúcio Mauro sim. Não sei a secretária de Cultura da cidade estava entre as cinco pessoas que foram à peça; o prefeito, certamente, não, este prefere viajar; nem os chamados artistas locais; nem, muito menos, algumas das centenas de pessoas que gostam de ver suas fotos estampadas numa das dezenas de colunas e revistas sociais que esta cidade tem)
1 pitacos:
Tudo bem. Um fato desse é deprimente, mas duas coisas:
-A quem o senhor hercules se refere quando fala em classe política corrupta e a elite desonesta? Sreá que se esquece de algum parente político, ou de elite?
- Um espetáculo de tatro não deixa de ser um empreendimento, que como tal está sujeito a sucessos, ou fracassos. Talvez da próxima vez ele escolha uma cidade mais afinada com cultura e menos interessada em aparecer, como é certamente o caso de Maringá.
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Vê lá o que vai escrever! Evite agressão e preconceito. Eu não vou mais colocar xizinho; na dúvida, não libero o comentário.