29.1.06

As cidades mudam. E a gente também

Do Fahrenheit, blog mantido há dois anos por um residente na Zona 2 (Edilson seria o nome dele):

I remember, como diriam os pernósticos. I don't want to remember, diriam os agnósticos. Ontem fui a uma loja de livros usados no centro de Curitiba, a Trovatore. Além de livros, lá se encontra CDs, discos, revistas e outras coisas antigas, algumas com cem anos ou mais de uso. Já encontrei coisas boas por lá. Quando cheguei a Curitiba vindo de Londrina, coisa de oito anos, a Trovatore tinha uma sucursal chamada Figaro na Mateus Leme – entre o Shopping Muller e o Largo da Ordem, que era mais interessante, apesar de menos sortida. Foi nessa loja que encontrei um monte de livros autografados, desde Autran Dourado, Antonio Calado, Gilberto Freire, até Origines Lessa e outros que não comprei, como Jorge Amado.
Com o fim da falsa aura de prosperidade criada pelo primeiro governo FHC e a estréia da verdadeira aura de dificuldades inaugurada pela segunda, a Figaro fechou e ficou apenas a Trovatore. Aos domingos de manhã, quando dou um passeio pela feira do Largo, costumo passar por lá. E sempre compro alguma coisa. Ontem, por exemplo, encontrei seis fotos coloridas e antigas de Maringá (antiga, no caso, porque Maringá é uma cidade relativamente nova e fotos de 30 ou 40 anos, são antigas). São fotos em que havia um ou dois prédios, o Grande Hotel Maringá ainda tinha este nome e ainda era majestoso, o edifício Atalaia era "moderno", a rodoviária era no centro da cidade e os fuscas, os opalas e os corcéis dividiam as ruas nas quais haviam poucos carros. Os garotos sentavam–se nas praças da Catedral ou Napoleão Moreira da Silva para conversar e tentar vislumbrar o futuro através de seus desejos.
Era o tempo da ditadura e a gente cresceu e na escola aprendeu a contestar a ditadura. No entanto, a gente era normal e tinha anseios malucos, como o de a cidade crescer, ficar progressista e abrigar os sonhos da gente. De crescer e viver na cidade. A cidade tinha poucos prédios e em nossa ingênua mentalidade, os prédios representavam o progresso que se traduzia em mais prédios, mais cultura e uma economia sólida, para dar emprego a todo mundo.

Naquele tempo havia um jornal que era legível, apesar de soltar muita tinta na mão da gente. Era a Folha do Norte do Paraná. E centenas de famílias assinavam a Folha do Norte. Os melhores filmes passavam no Cine Plaza ou no Cine Paraná. O Cine Maringá ainda era um cinema apreciado e o Horizonte, distante, era o cinema das reprises e dos moradores da Vila Operária. Passaram-se cerca de 40 anos. A cidade hoje está coalhada de prédios, os seus limites territoriais se ampliaram. Mas os seus limites econômicos, culturais e esportivos parecem ter encolhidos se comparados com o que a cidade já foi. Os seus sonhos de grandeza foram frustrados. E se continua uma cidade bonita, não perdeu a incapacidade de acompanhar os sonhos dos jovens, que vão embora, enquanto os que ficam, regurgitam como os seus pais remoem-se pelo fato de a cidade não ser o que eles gostariam que fosse: uma cidade que abrigasse além de seus corpos, também suas mentes.
Há muito eu acho que prédios, assim como muitos carros nas ruas, não representam nada daquilo que eu achava que representasse. Mas o que eu desejava, também a cidade jamais desejou, uma cidade que tivesse orgulho de si mesma e não fosse um ajuntamento de pessoas endinheiradas e mesquinhas, cercadas de todos os lados por desempregados ou miseráveis, reproduzindo séculos depois os mesmos conceitos sociais de um burgo feudal. As cidades mudam, a gente também, mas em algumas coisas as cidades continuam as mesmas, e a gente também.

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