Deu na revista Exame
Está na revista Exame, de 15/12/2005.
"Nepotismo e quebra de contratos
Ele contrata familiares e rompe acordos com empresas. E ainda diz que quem mente é EXAME
Quinze dias após a publicação de uma reportagem em que EXAME o comparou ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o governador paranaense Roberto Requião mandou publicar em jornais e revistas do país um informe publicitário afirmando que EXAME "mentiu, manipulou e distorceu informações". Apesar de ocupar uma página inteira de jornal, o governador foi incapaz de rebater uma única informação trazida pela reportagem. Como EXAME não mente, não manipula nem distorce informações, restou a Requião recorrer à sua especialidade: vociferar a torto e a direito para tentar obscurecer os fatos.
É quando se olha para a realidade que surge o verdadeiro Requião. Para começar, ele mesmo se identifica com o presidente venezuelano. "A comparação com Chávez não me desagrada", diz. Seu destempero diante de situações adversas virou folclore nos meios políticos -- onde ganhou o apelido de "Maria Louca". Já o seu governo naufraga num emaranhado de irregularidades, desvios de conduta, violações a contratos e nepotismo deslavado. Um levantamento parcial conduzido por EXAME mostra a existência de pelo menos 40 processos judiciais contra o governador paranaense. Em sua tentativa de desqualificar a reportagem de EXAME, Requião contestou a informação de que tivesse tentado anular o contrato assinado com a montadora Renault, que havia recebido no governo anterior incentivo fiscal para se instalar no estado. "O governo Requião não tomou nenhuma iniciativa para anular os incentivos concedidos à Renault", dizia o anúncio publicado. Bem, isso é o que afirma Requião. Nas linhas seguintes, você saberá exatamente o que aconteceu, de acordo com o relato... do próprio Requião! Já durante a campanha eleitoral, o governador proferiu discursos contra os contratos das montadoras. Após assumir, em diferentes ocasiões deu entrevistas declarando que alteraria ou anularia os contratos. Foi o que tentou fazer em março de 2004, quando pretendeu assumir a autoria de uma ação do Ministério Público estadual para anular os benefícios. O governo do Paraná só não se tornou autor da ação porque a Justiça não aceitou. Em entrevista -- gravada -- a EXAME, Requião afirmou que o acordo com a Renault era "uma das aberrações da história do Brasil". Também explicou o que alterou no contrato com a montadora. "Eu mexi (no contrato). Passei a estabelecer a cobrança da correção monetária. Eles conseguiram com o Lerner (Jaime Lerner, seu antecessor no governo paranaense) 25 anos de dilação na cobrança do ICMS, para pagar mês a mês por mais 25 anos -- portanto, era um negócio de 50 anos sem juros e correção monetária." Palavras de Requião.
Outra demonstração de desrespeito a contratos ocorreu no episódio em que o governador pretendeu anular um acordo de acionistas da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar). No comunicado publicitário em que tenta desmentir EXAME, Requião refutou a informação de que teria tentado reassumir o controle da empresa, ignorando um acordo que delegava a gestão aos acionistas privados. Segundo Requião, "foi a Assembléia Legislativa que aprovou decreto que anula o pacto de acionistas". Trata-se de um artifício para esconder a verdade. Em 13 de fevereiro de 2003, o governador emitiu um decreto suspendendo o acordo. O grupo Dominó Holdings S.A., que reúne os acionistas privados da Sanepar, entrou com um mandado de segurança na Justiça. O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça. A decisão final, de 2 de dezembro de 2004, foi favorável ao Dominó. Inconformado, Requião entrou com uma ação para anular o acordo -- que ainda tramita na Justiça. Paralelamente, a Assembléia Legislativa aprovou um decreto anulando o pacto.
O fato é que o governo Requião não resiste a um pente-fino -- como descobriu o advogado Luiz Henrique Bona Turra. Nos quase três anos em que atuou como procurador do estado do Paraná, Turra emitiu cerca de 60 pareceres, representações e recomendações alertando para irregularidades em diversas áreas da máquina pública. Um de seus questionamentos dizia respeito a uma generalizada falta de licitações -- obrigatórias no setor público -- em contratos da Companhia Paranaense de Energia (Copel), nas concessões de transporte coletivo intermunicipal e nas compras das Centrais de Abastecimento do Paraná (Ceasa), estatal responsável pelo programa social Leite das Crianças. Convidado pela Assembléia Legislativa paranaense para explicar o caso, Turra concedeu um depoimento de 4 horas e meia que lhe custou o cargo. Na mesma semana, Turra foi transferido de suas funções e submetido a julgamento administrativo, sem direito a defesa. No dia 8 de novembro, Requião assinou sua demissão alegando que ele agira com deslealdade e má-fé contra o estado. Tornou-se notório que as suspeitas de Turra tinham razão de ser. O Ministério Público e o Tribunal de Contas estadual passaram a investigar uma denúncia de superfaturamento no programa do leite, que atende 175 000 crianças. Descobriu-se que o governo paranaense paga 91 centavos por litro de leite, com isenção de impostos, enquanto o produto é vendido no atacado aos supermercados por 65 centavos, incluindo os impostos.
Entre as irregularidades que mais preocupam o ex-procurador está a repactuação do contrato de compra de energia, assinado entre a Copel e a Companhia de Interconexão Energética (Cien), empresa do grupo espanhol Endesa. Alegando que o contrato era oneroso ao estado, Requião suspendeu os pagamentos assim que assumiu o cargo de governador, no início de 2003. Meses depois, anunciou que costurara um novo acordo com a Cien. A paz foi selada após uma conversa com o embaixador da Espanha no Brasil, José Cordech, que fora seu hóspede na Ilha das Cobras, reserva ecológica que abriga a residência oficial de verão do governador no litoral paranaense. Com a renegociação, o prazo do contrato encolheu sete anos, passando de 20 para 13 anos, e o volume de energia comprado caiu pela metade. Na matemática de Requião, o estado economizou cerca de 8 bilhões de reais com a intervenção. O memorando com as alterações contratuais foi parar na mesa de Turra quando ainda era procurador. Ao avaliar a papelada, ele estranhou diversas cláusulas do aditivo ao contrato -- a mais grave delas é que, em comparação com o acordo original, o preço da energia sofrera aumento médio da ordem de 25%. Em outras palavras, o Paraná passou a pagar mais caro por menos energia. O prejuízo para os cofres públicos é estimado em 800 milhões de reais por especialistas do mercado. Por que será que isso aconteceu? Só Requião pode explicar.
Requião também deve explicações sobre um caso antigo. Em 1999, a revista Veja, da Editora Abril, que também publica EXAME, noticiou que Maristela Quarenghi de Mello e Silva, mulher de Requião, estava sendo investigada pela Polícia Federal por remessa ilegal de divisas ao exterior. Na época, Requião disse que Maristela havia recebido 250 000 reais pela venda de um imóvel e decidira proteger o dinheiro contra a desvalorização comprando moeda estrangeira. Em depoimento à Justiça Eleitoral, em agosto deste ano, Requião declarou que parte do dinheiro havia sido gasta em viagens, e parte fora destinada aos irmãos da esposa. Maristela, que prestou depoimento cinco dias depois, disse, no entanto, que guardara todo o dinheiro. Ao menos num ponto os depoimentos do casal batem: ambos disseram não ter o boleto de câmbio, considerado uma espécie de nota fiscal que serviria para comprovar a legalidade da operação. Outro detalhe intrigante: o empresário Celso Caron, dono da agência de turismo Larus, que, segundo Maristela, foi a pessoa que indicou o doleiro para fazer a operação de remessa do dinheiro ao exterior, atualmente é o secretário de Turismo do governo Requião.
Nepotismo e quebra de contratos
O Severino Cavalcanti do Paraná
Esposa, irmãos, sobrinhos. Requião contempla a família com cargos na máquina do governo
Requião, um nepotista assumido, tem especial talento na arte de garantir o bem-estar de seus parentes. Corre na justiça do Paraná uma ação popular que pede a demissão e o reembolso aos cofres públicos dos salários de cinco de seus familiares. A primeira-dama, Maristela, exerce a função de diretora do museu Oscar Niemeyer, mas foi contratada com status -- e salário -- de secretária de estado. Dois dos irmãos de Requião também têm cargos elevados na máquina estadual: Maurício é secretário de Educação e Eduardo responde pela administração do porto de Paranaguá. A sobrinha Danielle de Mello e Silva foi assistente do diretor-geral da Secretaria de Desenvolvimento Urbano. E o sobrinho João José Arruda Júnior é executivo da Companhia de Habitação do estado. Na ação popular sobre o nepotismo, não puderam ser incluídos no processo outros parentes de Requião, porque trabalham em estatais e órgãos que não respondem diretamente a ele. Esse grupo inclui sua irmã Lúcia, presidente do Programa do Voluntariado Paranaense, o sobrinho Paikan Salomon de Mello e Silva, produtor na TV Educativa, e o primo Heitor Wallace de Mello e Silva, diretor de investimentos da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar). Como o ex-deputado Severino Cavalcanti, Requião protege a família gastando dinheiro público.
O porto do irmão
Paranaguá, gerido por Eduardo Requião, perde espaço na exportação de soja em grão
Evolução da exportação em 2005(1)
São Francisco do Sul (SC)............. 98%
Santos (SP)......................................22%
Paranaguá (PR) ..............................-5%
(1) Até outubro
Fonte: Anec
Requião diz ser defensor de certo "nepotismo esclarecido", isto é, uma modalidade de favorecimento em que só parentes competentes são empregados. Será verdade? As confusões do irmão Eduardo na gestão do porto de Paranaguá geraram protestos e debandada entre os usuários. "Eduardo Requião resolveu de maneira peculiar o problema das filas de caminhões: mandando-os para os demais portos do país", diz Wilen Mantelli, vice-presidente da Comissão Portos, entidade que reúne representantes de cerca de 50 empresas e associações empresariais. Em 2005, enquanto a movimentação de soja em grão em Santos cresceu 22%, Paranaguá teve queda de 5% nesse item. Na tentativa de resolver os problemas do porto, o deputado federal Ricardo Barros (PP/PR) apresentou um projeto de decreto legislativo no Congresso propondo o afastamento de Eduardo e a instauração de uma investigação. Em setembro, a proposta de Barros foi aprovada na Câmara e agora aguarda votação no Senado.
O caso Ferreirinha
A grande mentira eleitoral de Requião
O episódio mais crítico da carreira política de Roberto Requião ocorreu durante o segundo turno das eleições para o governo do Paraná, em 1990. Requião disputava a eleição com José Carlos Martinez (PTB), morto num acidente de avião ocorrido há dois anos e então apontado como favorito pelas pesquisas. Uma semana antes da votação, o programa eleitoral gratuito de Requião cedeu espaço para certo João Ferreira, apresentado como Ferreirinha, que por trás de óculos escuros e boné se identificou como matador de agricultores a serviço da família Martinez. Os eleitores paranaenses deram a vitória a Requião.
A farsa foi desmascarada antes da posse, quando a Polícia Federal descobriu que Ferreirinha era, na verdade, o motorista Afrânio Luis Bandeira Costa. Com base na descoberta, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná concluiu que houve crime eleitoral e cassou o mandato de governador de Requião, que nem sequer havia tomado posse do cargo. Requião recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), obteve a anulação do julgamento e assumiu o cargo. Seis meses antes do final do mandato, em 1994, os ministros do TSE arquivaram o caso, concluindo que havia erros processuais -- o processo havia sido aberto apenas contra Requião, quando deveria ter incluído o vice, Mário Pereira.
Quanto a Ferreirinha, nunca mais foi localizado.” .
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